"Domingo, 13 de novembro de 2011. Brasil, Pernambuco, Olinda,
Praça do Carmo. Vinte e sete tendas se espalham pelo amplo espaço, acomodadas
entre os coretos, balanços, pontes e vitórias-régias. São quase cinco da tarde.
Saio da enorme tenda principal, um auditório confortável, climatizado, erguido
do nada para acomodar umas novecentas pessoas. Raimundo Carrero, maltratado por
um AVC, há pouco deixou o palco onde se fez gigante e comoveu a platéia, tal
como Edson Nery da Fonseca, na véspera, recitando-nos “Evocação do Recife”. No
trajeto para a tenda da Feira do Livro, situada no outro extremo da praça,
assusto-me com o volume de gente. Cruzo com pais, mães, filhos, jovens de
diferentes tribos que circulam num movimento incessante. Todas as tendas estão
lotadas. Numa delas se prepara um prato cujo perfume parece promissor, noutra
se recitam poemas, noutra se canta o hino de Pernambuco, noutra se representam
histórias para crianças hipnotizadas, noutra se ensina a plantar baobás. Aqui
um garçom vende livros “servidos” numa bandeja, ali um cantador anuncia sua
obra do alto de uma lata, mais adiante uma carrocinha cheia de trecos serve de
cenário a um teatro mambembe. Creio escutar um frevo. Na Feira do Livro os stands estão cheios. Por todos os lados há
muitas, muitas, muitas crianças. Algumas pedindo aos pais que lhes comprassem
livros! Nada de jogos eletrônicos, nem de bonecas vestindo a última moda, mas
livros.
Durante quatro dias essas cenas se repetiram em Olinda, que
se fez luminosa de dia e de noite. A lua parecia querer ser cúmplice dessa
festa do livro, da palavra, da arte, da vida. Prateou as ladeiras da cidade e despertou
as vitórias-régias, cujas flores se abriam inteiramente pelas noites,
oferecendo-nos a visão rara e sedutora de sua alvura. Durante quatro dias,
autores consagrados e jovens promissores dividiram os palcos das várias tendas
dessa grande Festa Literária, que democraticamente reuniu poetas, romancistas,
ensaístas, jornalistas, estudiosos, cineastas, de distintas nacionalidades e
naturalidades. Além dos talentos de Pernambuco, veio gente da Palestina, de
Israel, da Espanha, França, Portugal, Índia, Inglaterra, Venezuela, Angola,
Líbano, Paquistão, Áustria... veio gente das Minas Gerais, São Paulo, Rio de
Janeiro, Ceará, Bahia, de todo lugar. A sétima edição da Fliporto não foi
apenas uma viagem ao Oriente, mas um
“lugar” de encontros, uma encruzilhada, um ponto de confluência e de reflexão
sobre orientes e ocidentes, sobre a força do livro. Foi também uma homenagem
genuína ao Mestre Gilberto Freyre – nada de presente de grego. Algumas mesas
foram mais comportadas, outras foram acaloradíssimas, algumas foram comoventes,
outras, divertidas. Teve até uma linda mulher árabe, que seduziu e apaixonou a
platéia, com sua fúria. E coroando tudo, a sabedoria de Gandhi, na forte
interpretação de João Signorelli.
A Fliporto não foi apenas um sucesso. Foi comovente. Essa
festa das letras e do livro é dos mais importantes legados que Pernambuco tem recebido nos últimos tempos, pois sua
importância não está apenas nas palestras e pessoas que por ali passaram (e
deixaram saudades!). Sua importância está no futuro. A Fliporto plantou baobás
e germinou pequenos leitores. Plantou esperança e germinou um amanhã mais
alvissareiro. Não posso deixar de render aqui meu tributo aos idealizadores e
realizadores desse evento: Antonio Campos e Eduardo Côrtes. Minhas homenagens
também aos curadores das programações, na pessoa de Mário Hélio. Meu
agradecimento, como cidadã, a esses empreendedores da cultura e a toda a equipe
que pôs a mão na massa e conseguiu fazer de um evento para 80 mil pessoas, numa
praça de Olinda, uma festa literária de altíssimo nível. Aos que não foram ao
Carmo, faço uma convocação: não percam, nos anos vindouros, a oportunidade de
participar desse acontecimento. É puro luxo!"