sábado, 17 de novembro de 2012

Fliporto: LUXO cultural

Olinda recebe, neste feriado, a oitava edição da Fliporto. Lembrei-me da comoção experimentada ao final do evento, no ano passado, que reproduzo abaixo. Lamento que não haja gente saindo pelo ladrão, disputando cada um dos lugares disponíveis. A Fliporto ainda é pérola jogada aos poucos. Mas a cada ano, vejo com  alegria, que a Fliporto fica melhor, mais organizada e mais forte. Quem tiver olhos para ver, veja, quem tiver ouvidos para ouvir, ouça...


"Domingo, 13 de novembro de 2011. Brasil, Pernambuco, Olinda, Praça do Carmo. Vinte e sete tendas se espalham pelo amplo espaço, acomodadas entre os coretos, balanços, pontes e vitórias-régias. São quase cinco da tarde. Saio da enorme tenda principal, um auditório confortável, climatizado, erguido do nada para acomodar umas novecentas pessoas. Raimundo Carrero, maltratado por um AVC, há pouco deixou o palco onde se fez gigante e comoveu a platéia, tal como Edson Nery da Fonseca, na véspera, recitando-nos “Evocação do Recife”. No trajeto para a tenda da Feira do Livro, situada no outro extremo da praça, assusto-me com o volume de gente. Cruzo com pais, mães, filhos, jovens de diferentes tribos que circulam num movimento incessante. Todas as tendas estão lotadas. Numa delas se prepara um prato cujo perfume parece promissor, noutra se recitam poemas, noutra se canta o hino de Pernambuco, noutra se representam histórias para crianças hipnotizadas, noutra se ensina a plantar baobás. Aqui um garçom vende livros “servidos” numa bandeja, ali um cantador anuncia sua obra do alto de uma lata, mais adiante uma carrocinha cheia de trecos serve de cenário a um teatro mambembe. Creio escutar um frevo. Na Feira do Livro os stands estão cheios. Por todos os lados há muitas, muitas, muitas crianças. Algumas pedindo aos pais que lhes comprassem livros! Nada de jogos eletrônicos, nem de bonecas vestindo a última moda, mas livros.

Durante quatro dias essas cenas se repetiram em Olinda, que se fez luminosa de dia e de noite. A lua parecia querer ser cúmplice dessa festa do livro, da palavra, da arte, da vida. Prateou as ladeiras da cidade e despertou as vitórias-régias, cujas flores se abriam inteiramente pelas noites, oferecendo-nos a visão rara e sedutora de sua alvura. Durante quatro dias, autores consagrados e jovens promissores dividiram os palcos das várias tendas dessa grande Festa Literária, que democraticamente reuniu poetas, romancistas, ensaístas, jornalistas, estudiosos, cineastas, de distintas nacionalidades e naturalidades. Além dos talentos de Pernambuco, veio gente da Palestina, de Israel, da Espanha, França, Portugal, Índia, Inglaterra, Venezuela, Angola, Líbano, Paquistão, Áustria... veio gente das Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Bahia, de todo lugar. A sétima edição da Fliporto não foi apenas uma viagem ao Oriente, mas um “lugar” de encontros, uma encruzilhada, um ponto de confluência e de reflexão sobre orientes e ocidentes, sobre a força do livro. Foi também uma homenagem genuína ao Mestre Gilberto Freyre – nada de presente de grego. Algumas mesas foram mais comportadas, outras foram acaloradíssimas, algumas foram comoventes, outras, divertidas. Teve até uma linda mulher árabe, que seduziu e apaixonou a platéia, com sua fúria. E coroando tudo, a sabedoria de Gandhi, na forte interpretação de João Signorelli.

A Fliporto não foi apenas um sucesso. Foi comovente. Essa festa das letras e do livro é dos mais importantes legados que Pernambuco tem recebido nos últimos tempos, pois sua importância não está apenas nas palestras e pessoas que por ali passaram (e deixaram saudades!). Sua importância está no futuro. A Fliporto plantou baobás e germinou pequenos leitores. Plantou esperança e germinou um amanhã mais alvissareiro. Não posso deixar de render aqui meu tributo aos idealizadores e realizadores desse evento: Antonio Campos e Eduardo Côrtes. Minhas homenagens também aos curadores das programações, na pessoa de Mário Hélio. Meu agradecimento, como cidadã, a esses empreendedores da cultura e a toda a equipe que pôs a mão na massa e conseguiu fazer de um evento para 80 mil pessoas, numa praça de Olinda, uma festa literária de altíssimo nível. Aos que não foram ao Carmo, faço uma convocação: não percam, nos anos vindouros, a oportunidade de participar desse acontecimento. É puro luxo!"