terça-feira, 30 de outubro de 2018

O teste da democracia


Quem quiser pensar em construir um Brasil pós-Bolsonaro vai precisar realizar um genuíno esforço de leitura do que nós vivemos nessa eleição de 2018. Aferrar-se a certezas e palavras de ordem é o caminho certo para o fracasso de qualquer projeto político – presente ou futuro.
Nesse sentido, as reações de Haddad e do PT à vitória de Bolsonaro são uma péssima notícia. Hillary Clinton e Donald Trump protagonizaram a mais agressiva campanha presidencial da história recente dos Estados Unidos. Acredito ser desnecessário estabelecer juízos de valor sobre o presidente americano. É quase inacreditável que os Estados Unidos tenham trocado um presidente com a estatura de Barack Obama por um ogro como Trump. No entanto, mesmo tendo ganho no voto popular(!), mesmo tendo sido vítima de fake news gravíssimas (patrocinadas pelo todo-poderoso governo russo), Hillary Clinton ligou para Trump, reconhecendo a vitória do adversário. Não é difícil imaginar que a candidata derrotada não fez isso em respeito a Donald Trump, figura pela qual é provável que tenha o mais profundo desprezo. O telefonema de Hillary simboliza seu respeito pela DEMOCRACIA, e pelos milhões de americanos que por qualquer razão que seja, decidiram, com seus votos, colocar Trump na presidência. Isso se chama também civilidade, decência, grandeza moral.
Infelizmente, o gesto e o discurso de Haddad após a apuração sugerem uma estatura moral apequenada. A reação da manhã seguinte, tardia e mediada pelas redes sociais, é largamente insuficiente como correção do feio papel da véspera. Como cidadã e estudiosa de nosso processo político, o comportamento do candidato derrotado e de seus aliados me entristece e me preocupa porque aponta para uma total incapacidade de compreensão do processo que estamos vivendo no Brasil, hoje. Como disse Merval Pereira, Haddad encheu a boca para falar dos 47 milhões de votos que recebeu, esquecendo-se de que quatro anos atrás Aécio Neves teve 51 milhões de votos! Também parece ignorar que Bolsonaro se elegeu presidente da República, com 57 milhões de votos: sem marqueteiro, sem o apoio da grande mídia, sem uma grande estrutura de campanha, sem “palanque”, sem dinheiro, sem alianças com grandes empresários e contra os grandes caciques da política nacional! Quase toda a sua campanha foi feita de dentro de casa, com um celular 4G e um tripezinho de mesa. Seu programa eleitoral foi gravado na sala da casa de um amigo. Se tudo isso não levar o PT a refletir sobre seus erros não consigo imaginar o que possa fazer...
Como disse, quando me pronuncio a respeito da chocante incapacidade de autocrítica do PT -- e das demais forças de esquerda e de centro!!! --, o faço movida por uma preocupação profunda com o futuro do Brasil. Embora já não me identifique com a esquerda (obra do Mensalão), tenho convicção de que a saúde da Democracia carece de uma esquerda forte, madura e efetivamente comprometida com os destinos do país.
Nossos próximos quatro anos são uma incógnita. O governo Bolsonaro é, para mim, um enorme ponto de interrogação. Ainda que não consiga compartilhar do pânico de muitas pessoas, é óbvio que olho para o horizonte nacional com profunda inquietação – por razões que explorarei em outros textos.
Curiosamente, não tenho medo de uma escalada de violência contra minorias. Acredito firmemente nas nossas instituições democráticas, dentre as quais se inclui a Justiça. E é bom mantermos a clareza de que JÁ convivemos com crimes de homofobia, feminicídio e racismo. Aliás, se bem me lembro, o Brasil costuma frequentar as páginas de relatórios de organizações internacionais que nos colocam em posição pouco confortável a esse respeito. Logo, associar automaticamente qualquer novo crime dessa natureza à eleição de Bolsonaro é, pelo menos, leviano. Teremos que esperar as estatísticas anuais e comparar números para estarmos autorizados a qualquer conclusão fundamentada.
Em tempo: a teoria do caos e os exageros da retórica costumam surtir o efeito de desacreditar o discurso de crítica. A pessoa que força a barra de sua argumentação, acaba por ficar desacreditada. Mais ou menos como acontece na historinha que meu pai me contava sobe o menino que vivia fingindo afogamento e acabou morrendo porque, quando aconteceu de verdade, ninguém foi socorrê-lo. Objetivamente, se cada briga de bar for apontada como culpa de Bolsonaro, o coletivo terá dificuldade de discernir uma real escalada de crimes de ódio e preconceito.
Outras questões me preocupam bem mais no futuro governo Bolsonaro do que uma improvável escalada de violência contra minorias. E, insisto, minha maior preocupação reside na escassez de sinais das demais lideranças políticas desse país no sentido de uma reflexão profunda e desarmada sobre as causas da vitória de Bolsonaro. As ruas se pronunciaram com toda clareza desde 2013. Foram solenemente ignoradas por políticos de todas as colorações. O resultado do surto coletivo de ensimesmamento político foi o chamado tsunami eleitoral.
A sociedade civil organizada que luta por uma agenda de esquerda também precisa fazer essa reflexão, caso queira retomar essa mesma agenda com alguma possibilidade de sucesso. A análise dos processos históricos (totalmente esquecida quando não é conveniente) indica que agendas progressistas não negociadas com o coletivo costumam gerar reações contrárias exacerbadas. É precisamente o que se chama de reacionarismo (a etimologia é bastante evidente). Logo, gritar, espernear e continuar alimentando o discurso do pânico e do ódio dificilmente produzirá resultados positivos. Já um tantinho de humildade e um esforço verdadeiro de empatia poderiam produzir maravilhas. Menos julgamento e mais compreensão, como reza a Antropologia.
O Brasil certamente agradecerá.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Inacreditável...


Conversar com a periferia!? Essa é TODA a autocrítica que Haddad e o PT são capazes de fazer???!!!: "Tem que voltar a falar com a periferia"???!!!
Inacreditável!!! Estou perplexa desde ontem. Que parte do recado dado nas ruas e nas urnas com tanta clareza eles não captaram???? NÃO TOLERAMOS MAIS A CORRUPÇÃO!!! NÃO AGUENTAMOS MAIS A ROUBALHEIRA E A IRRESPONSABILIDADE NA GESTÃO PÚBLICA!!! QUEREMOS PAZ NAS RUAS E EM CASA, E QUE BANDIDOS QUE MATAM A SANGUE FRIO SEJAM TRATADOS COMO BANDIDOS, COM O MÁXIMO RIGOR DA LEI!!!!
Vá pra periferia, Haddad!!! Quem sabe lá você apura seus ouvidos e consegue escutar o que a população brasileira, de todas as classes sociais, de todas as regiões do país, de todos os gêneros e todas as cores está gritando em alto e bom som! 
Agora, se sua intenção é ir à periferia apenas para proclamar suas promessas mentirosas ou irresponsáveis de baixar o gás de cozinha e fazer o Brasil feliz de novo, aí realmente você e o PT merecem não apenas perder feio essa eleição, mas serem banidos da vida política nacional, para dar lugar a uma esquerda (sim, a saúde da democracia pede uma esquerda forte e madura) que tenha real compromisso com o país e não apenas com seu próprio projeto de Poder...


PS: Meu coração de ex-petista fica dilacerado testemunhando no que se transformou esse partido... é tão chocante que às vezes eu me pergunto se acreditar no PT durante tantos anos não foi pura ingenuidade minha....

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

O Brasil e sua Esfinge



A autocrítica será IMPRESCINDÍVEL para construirmos um Brasil pós-Bolsonaro. O ex-capitão do Exército precisaria cometer alguns erros graves nesses próximos 15 dias para perder essa eleição – um só não bastaria. Portanto, temos que começar a pensar e a trilhar o caminho que pode nos levar a um ponto de reequilíbrio do nosso arranjo democrático e social, ao longo e após o seu mandato. Tenho clareza de que essa é tarefa árdua, precisamente pela dificuldade dos atores políticos e intelectuais de fazerem uma reflexão honesta sobre o que está acontecendo no Brasil – não agora, mas desde 2013 pelo menos. Uma lástima que tenhamos chegado a esse segundo turno de opções tão extremadas para que finalmente se passe a fazer um esforço verdadeiro para ouvir e ENTENDER a chamada voz das ruas. O “tsunami” de que se fala nessa eleição, nada mais é do que a surpresa, o choque diante de uma realidade – i.e. de um sentimento de coletividade -- que não apenas os políticos, mas também intelectuais, analistas políticos, militantes se recusavam a enxergar. Danado é que a realidade é implacável. Por algum tempo, até por alguns anos, você pode se recusar a enxergá-la como ela de fato é, mas uma hora ela se impõe, avassaladora como um terremoto. É por isso que com alívio ouço vozes do campo da esquerda fazendo, enfim, uma reflexão sincera, humilde, desprovida de certezas e de pré-concepções. Ainda estou por ver isso acontecer também no campo do centro-direita. Espero que seja apenas uma questão de tempo. Para alguns, a eleição de Bolsonaro pode parecer o fim. Prefiro acreditar que estamos na mesma posição de Édipo diante da Esfinge: decifra-me ou te devoro. Será nossa capacidade de compreensão do que estamos vivendo agora que determinará se nos precipitamos no abismo ou nos recriamos como nação mais equilibrada, mais madura e mais justa.

(tela: Gustave Moreau)

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Como eu queria acreditar...




AVISO: O MINISTÉRIO DA TOLERÂNCIA ADVERTE QUE O TEXTO ABAIXO NÃO É RECOMENDÁVEL PARA QUEM TEM POSIÇÕES RADICAIS, À DIREITA OU À ESQUERDA DO ESPECTRO POLÍTICO.


Somos todos seres limitados. Temos nossas imperfeições e carências (Graças a Deus!). Não penso ser melhor nem pior do que ninguém. Ciente de minhas limitações, faço um esforço cotidiano para ser a melhor pessoa possível, nas minhas circunstâncias. Ao menos tento exercitar a generosidade, a solidariedade, o respeito profundo e sincero ao outro na sua integralidade. Acredito na Democracia e tenho sede de Justiça. Por isso mesmo, durante quase vinte anos da minha vida, militei por um projeto de esquerda para o país... nos meus tempos de movimento estudantil, por pouco não me filei ao PT....

Acho que o que quero escrever aqui é um desabafo. Das minhas angústias e tristezas com esse segundo turno tão polarizado. O primeiro desabafo é o da minha indignação com as forças de centro desse país, que foram incapazes de se unir em torno de uma candidatura eleitoralmente viável. A vaidade, o autismo, o orgulho e a falta de compromisso efetivo com a coletividade – por parte de lideranças políticas importantes -- nos precipitaram nessa beira de abismo. Não sei se um dia conseguirei perdoá-los.

O segundo desabafo é a revelação de um desejo: como eu queria acreditar!!!

Proclamo com toda a honestidade do meu coração: queria, neste momento, a bênção da ignorância, ou a da credulidade dos ingênuos e idealistas, ou até a das certezas dos desesperados! (só não quero, jamais, o cinismo dos salafrários)

Como eu queria acreditar que o PT tem um projeto de país e não um projeto de poder!

Como eu queria acreditar que o PT de fato representa A alternativa democrática! Como eu queria ignorar o caderno de teses do PT, publicado ainda no ano passado, cheio de afirmações e compromissos em claro confronto com os princípios e fundamentos da Democracia. Como eu queria não ter lido o programa de governo do presidenciável Fernando Haddad, que fala em “controle social” não só da Imprensa, mas da Justiça.

Como eu queria acreditar que o PT defenderá os valores democráticos a qualquer custo! Como eu queria me libertar do receio de que uma vez de volta ao Poder, o PT empregue todos os meios legítimos e ilegítimos para não mais largá-lo! Como eu queria esquecer das lições de Sun Tzu sobre o instinto de sobrevivência e a sanha vingadora de uma fera ferida, para então poder acreditar no argumento de que o PT não seguiria a trilha da autocracia porque “nunca fez isso antes” (seria maravilhoso, inclusive, não ter tomado conhecimento da entrevista de José Dirceu a El País).

Queria tanto conseguir relativizar o peso do apoio dos governos petistas e de seus militantes e aliados a várias ditaduras de esquerda, que juntas sacrificaram e continuam sacrificando milhões de vidas pelo planeta. Queria esquecer o desastre humanitário da Venezuela e o apoio vergonhoso de Lula a Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Queria ignorar que os governos do PT investiram mais de 50 bilhões de reais – dos contribuintes brasileiros -- em países governados por ditadores-na-prática, simplesmente porque eram regimes “amigos”, alinhados ideologicamente à esquerda, sem qualquer preocupação com direitos humanos violados ou desrespeito aos valores democráticos.

Como eu queria acreditar que um governo Haddad teria compromisso com a porta estreita do equilíbrio fiscal; acreditar que contrariando as promessas feitas em sua própria propaganda eleitoral, de retomar, ampliando, os programas-ícones da era Lula, para fazer o Brasil feliz de novo, o governo Haddad abraçaria o remédio amargo da austeridade, evitando que seguíssemos para a ruína econômica.

Como eu queria acreditar que uma consagração nas urnas não teria o efeito simbólico de chancelar o maior escândalo de corrupção protagonizado por um partido, na história das democracias contemporâneas. Como eu queria acreditar que não foi o PT que institucionalizou a corrupção e quase fez dela uma política de estado. Como eu queria esquecer que passei anos militando pelo PT justamente com a expectativa de que ele pusesse fim à corrupção existente até então – aquela que hoje parece até coisa de amador.

Como eu queria acreditar que Fernando Haddad, o intelectual preparado, o doutor em filosofia, o homem elegante e equilibrado, teria força e autonomia para governar segundo seus próprios valores e crenças pessoais, sem a interferência de Lula e José Dirceu!

(Como eu queria esquecer que Fernando Haddad foi ministro da educação por 7 anos, que o PT governou o país por 13 anos, e que ambos têm considerável parcela de responsabilidade sobre o maior crime que já se cometeu contra a memória deste país: o incêndio do Museu Nacional!)

Como eu queria acreditar que Lula não acabaria solto e a Lava-Jato não seria sabotada, para alegria de políticos de todas as colorações -- inclusive os de plumagem tucana, que mal começam a ser tornar a bola da vez.

Como eu queria acreditar que a violência das declarações de Bolsonaro e mesmo a abominável-inaceitável violência física e simbólica de seus seguidores é maior que a violência dos milhares de bilhões de reais desviados dos cofres públicos nos 13 anos de governo do PT. Como eu queria esquecer o contingenciamento de 131 bilhões de reais da saúde pública nos governos Lula e Dilma e poder acreditar que o PT não tem nada a ver com a mais grave crise enfrentada pelo SUS desde a sua criação. Como eu queria não enxergar a relação de causalidade entre a irresponsabilidade administrativa do PT e os milhares, quem sabe milhões de compatriotas, que independentemente de gênero, cor ou opção sexual morreram nos corredores e filas dos nossos hospitais públicos...

Como eu queria acreditar que o PT não tem nenhuma responsabilidade sobre os cerca de 60 mil brasileiros que morrem por ano com a explosão da violência, enquanto bilhões de reais da segurança pública também foram contingenciados nos governos petistas (inclusive a verba supostamente carimbada do Fundo Penitenciário Nacional)....

Como eu queria ter essa clareza de que o PT é muito melhor do que “ele”! Seria tão reconfortante, tão mais leve e tão mais fácil. Afinal, é bem melhor para a consciência de uma pessoa que procura, nas suas ações cotidianas, estar ao lado do Bem, acreditar que neste pleito está fazendo uma opção pelos mais nobres valores humanos, políticos e sociais. Daria até pra encher a boca e proclamar orgulhosa que com meu voto defendo a vida, a tolerância, a diversidade, as minorias....

Como eu queria ter essa certeza de que o PT é o único caminho que pode nos resguardar de um mal maior, que pode nos salvar como nação e coletividade.... ao menos eu não teria a alma tão dilacerada.

Ah, se eu conseguisse acreditar.... (suspiro profundo da alma)... poderia dormir tranquila, cheia de certezas, e feliz comigo mesma...

(tela: Cícero Dias)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Simplesmente Lindo!!!



Despedida do Facebook


22/4/16

TRISTEZA. Funda. Densa. A alma dói e chora. 

PADECIMENTO. Quem ama, sofre? O que foi que deixamos que fizessem com o nosso país? O que foi que deixamos que fizessem com nossos Seres? 
PERPLEXIDADE. Aonde o bom senso, a tolerância, o respeito?
CANSAÇO. E faz sentido despender tanta energia e tanto tempo num diálogo de surdos?
INTELIGÊNCIA. Obrigada Seu Ernani (!!!), amado pai, que desde pequenininha me ensina a fugir dos dogmatismos como o diabo da cruz.
DÚVIDA. Pra que falar, quando a reação roubou o lugar da reflexão? Se não existe debate, apenas reafirmação de posições há muito estabelecidas, pra que falar?
SURPRESA. Descobrir que suas palavras, por mais cuidadosas e bem intencionadas, machucam e ferem quem você ama.
HUMILDADE. O que me dá o direito de despejar minha Verdade sobre os outros?
VERDADE. Que cada um seja fiel a seus próprios princípios e valores.
AMOR. Só ele pode nos salvar da loucura coletiva.

Tiro férias dessa brincadeira do cordão azul e encarnado. Difícil atinar com um papel que me caiba nesse Pastoril nacional.
Ciente de que minha ausência não tornará esse embate nem mais rico, nem mais pobre.
Recolho-me. 
Não por receio de perder um ou outro amigo, porque a gente não perde o que nunca teve. Amizade que se ressente de tempos assim é porque jamais existiu?
Menos ainda por receio de perder a “admiração” de quem quer que seja. Faz tempo que aprendi a buscar o espelho da minha própria consciência. 
Recolho-me para o exercício da Humildade. Para me fortalecer no Amor, única energia efetivamente libertadora. 
Que os Céus nos iluminem.
Que um dia essa Nação consiga se reencontrar com o Amor.

Inté.

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é – DESDOBRAMENTOS


21/4/16

Amigas me esclarecem que as reações à reportagem da Veja sobre Marcela Temer são protestos contra o posicionamento da revista, e a propagação de um “modelo” de mulher, no caso, submissa (bela, recatada e do Lar).
Não sei, honestamente, se isso piora ou melhora o cenário, para a minha pobre sensibilidade, um tanto cansada desse clima de Fla x Flu, que parece ter sequestrado o Bom Senso em ambos os lados. Ou talvez eu ande lendo Sócrates demais...
Passemos ao exame lógico do argumento apontado acima e respondamos a algumas perguntas:
1) Se a revista em questão propaga um modelo de mulher submissa (que deixou tantas pessoas indignadas), o que dizer das muitas reportagens da mesma revista, que em tempos recentes, propagaram modelos de mulheres independentes, inteligentes, competentes e bem sucedidas, e, em muitos casos, belas, elegantes e sofisticadas? (Se alguém tem alguma dúvida a respeito, sugiro que pesquise edições passadas, em que há vários perfis, por exemplo, de altas executivas e empresárias; ou leiam-se os textos sobre Amal Alamuddin, a bela e brilhante esposa de George Clooney).
2) Se a revista em questão defende um único modelo de mulher (recatada e do Lar), o que explicaria a capa de edição recentes, que traz duas mocinhas com roupas curtas e ar provocante, como ilustração para a matéria principal, que fala em sexualidade fluida (e sem a emissão de juízos de valor)?
3) Se ao publicar a matéria sobre Marcela Temer a revista está mesmo defendendo UM modelo de mulher (a submissa), estaria a revista sofrendo de esquizofrenia? Ou subitamente, na última semana, sofreu uma guinada de perspectiva sobre o feminino?
4) E, se, ao ir cobrir a pauta que recebeu de traçar um perfil da provável futura primeira-dama do país, a repórter (sim, é uma mulher) se deparou exatamente com o perfil traçado, constatando, que Marcela Temer é, de fato, recatada e do Lar. Quem se deu ao trabalho de ler a matéria, notou que são pessoas muito próximas a Marcela que traçam seu perfil, como irmã e tia. Suponhamos (e ao que tudo indica foi o que aconteceu) que a repórter não encontrou nada além do que ali está posto. O que ela deveria fazer? Inventar uma personagem que de fato não existe, só para não ferir suscetibilidades femininas e feministas?
5) Agora, examinemos o argumento de que as reações enfurecidas devem-se à propagação de UM modelo de mulher, o que é uma violência essencialista, pois as mulheres são múltiplas e não precisam se prender a um único papel ou perfil. Se Marcela Temer fosse outra pessoa, digamos, na linha de Amal Alamuddin, e a matéria definisse a vice primeira-dama como “Bela, brilhante e determinada”, haveria reações coletivas indignadas e memes circulando nas redes sociais?
Pediria aos espíritos independentes e críticos que refletissem sobre essas questões. Se ao final, sua conclusão, a partir de uma leitura desarmada e desinteressada, for a de que a revista está, sim, defendendo e propagando UMA visão do feminino, de modo a estimular as mulheres brasileiras a serem recatadas e do Lar, muito bem, proteste mesmo. Eu serei a primeira a respeitar e aplaudir sua posição e seus memes.
Agora, se me permitem, vou compartilhar aqui, minhas próprias conclusões.
Minha leitura, após reflexão serena e cuidadosa, é a de que as reações à matéria tão boba são desproporcionais e estão enviesadas pelo ambiente de guerra que vivemos no Brasil. A ideia de que a revista Veja está “propagando o modelo de mulher submissa” não me parece resistir a análise dos FATOS (i.e., inúmeras reportagens, da mesma revista, que “propagam” outros modelos do feminino). Como não percebo nenhum indício de que a revista tenha mudado de posicionamento nas últimas semanas, nem creio que sofra de esquizofrenia, só posso concluir que o perfil da vice primeira-dama foi aquele que a repórter conseguiu apurar. E, a julgar pelas demais informações (poucas, aliás, o que sugere ser ela uma mulher efetivamente recatada) disponíveis sobre Marcela Temer, parece ser fiel à realidade. Não que Marcela Temer seja APENAS bela, recatada e do Lar, ela certamente é mais que isso. Porém, essa é a dimensão do seu perfil que fica mais evidente, e do qual, como disse em minha postagem anterior, ela talvez se orgulhe.
Também concluo, como já assinalei antes, que as reações indignadas da maioria das pessoas têm como motivação de fundo a recusa a UM MODELO ESPECÍFICO DO FEMININO. E é precisamente isso o que mais me incomoda. Não estou escrevendo a esse respeito para defender a revista Veja, que nem precisa de minha defesa, nem me é tão cara para que dispenda meu tempo e minha energia com ela. Escrevo porque enxergo nas reações à matéria um preconceito, amplamente disseminado, contra papéis femininos tradicionais. 
Digo isso por experiência etnográfica própria. Quando terminei meu doutorado, numa das universidades mais prestigiosas do mundo, eu saí dizendo aos amigos que eu estava farta da vida de mulher independente, que eu queria era ser sustentada e virar dona de casa e mãe de família. A primeira reação das pessoas era invariavelmente o riso. Quando eu esclarecia que não era piada, vinham o espanto e as falas ligeiramente indignadas, normalmente precedidas da pergunta: Você está louca? Foi ali que descobri como, enquanto sociedade, nos tornamos intolerantes com relação às escolhas das mulheres. As expectativas sociais com relação a mulheres que tëm acesso à educação de alto nível, e que têm a possibilidade de seguir carreiras profissionais bem sucedidas, são de que elas ESCOLHAM esse caminho, de independência, autonomia e igualdade com relação aos papéis masculinos. Temos dificuldade de aceitar escolhas contrárias. Os caminhos do Lar, do Recato e, por que não dizer, da Submissão, não são vistos pela sociedade contemporânea (e pós-moderna) como escolhas legítimas. Não são apenas desvalorizadas, mas moralmente condenáveis. A menos que, por falta de talento, de inteligência ou de oportunidades (casos das mulheres que não têm acesso à educação de alto nível), as mulheres se vejam “obrigadas” a aceitar papéis femininos tradicionais. Ou seja, como coletividade, só admitimos que mulheres sejam do Lar e submissas, se fatores EXTERNOS as compelirem a tanto. Não admitimos, com facilidade, que esse seja um processo INTERNO de decisão.
Sei que meu posicionamento é controverso e não pretendo ser a dona da Verdade. Obviamente, posso estar completamente equivocada. Cada um fará sua leitura. Meu desejo, com minha postagem anterior, e com esta, é apenas o de provocar reflexões. Para concluir, quero insistir que a matéria da Veja sobre Marcela Temer até me provocou incômodo, porém, por razões distintas. Acho que está fora de timing, é deselegante e inapropriada porque desrespeita o PROCESSO que estamos vivendo. Michel Temer ainda é vice. Dilma ainda é a presidente. Com tudo que vem acontecendo no Brasil, todos os atores públicos deveriam se comportar com mais decoro e respeito. Além disso, o texto é bobo. Parece reportagem de Caras. Por fim, surpreendeu-me a clara empatia da jornalista com o “conto de fadas” aparentemente vivido por Michel e Marcela. O único juízo de valor que consegui enxergar no texto foi o de que o casal tem sorte pela relação harmoniosa e amorosa que vive, com direito a poemas de amor (achei até bonito aquele citado no texto) e jantares românticos a luz das estrelas. Porém, se essa imagem, transmitida pelos familiares de Marcela, for fidedigna, é inegável que os dois são sortudos. Quem não suspiraria por uma relação assim? 
Quanto ao mérito da polêmica, desde que constatei, pessoalmente, o nível de preconceito que vivemos com relação aos papéis femininos tradicionais, aproveito toda e qualquer ocasião para defender a escolha das mulheres que, dentre as muitas possibilidades que a vida lhes oferece, optam por serem do Lar, ou recatadas, ou esposas submissas. Não há valor maior, para mim, do que a defesa da Liberdade que cada uma de nós deve ter para ser o que quiser, e quando quiser.


PS: Espero que ninguém tome esse texto e as críticas implícitas nele como algo pessoal! Individualmente, tenho um respeito profundo e sincera por todas as perspectivas.