Fico toda abespinhada cada vez que escuto a palavra “presidenta”.
É um modismo deveras irritante esse de flexionar o gênero do substantivo
“presidente”. Eis um dos efeitos exagerados – e quase insuportáveis -- do
feminismo e da era do politicamente
correto. Estou quase virando uma pessoa reacionária, por pura reação (o
trocadilho é horroroso, porém, exato) a tal tipo de excesso.
Sou profundamente devedora de meus pais, e uma de minhas
maiores dívidas para com meu genitor (o do gênero masculino) é a de haver ele
incutido no meu espírito o princípio grego “a virtude está no meio”. Deveria
ensinar-se isso às crianças antes mesmo que aprendessem a ler e escrever. É
justamente tal tipo de sabedoria que falta aos tempos atuais.
Sei muito bem que as línguas são vivas, dinâmicas, mutáveis
etc. e tal. Longe de mim defender imobilismos de qualquer espécie. Meu
romantismo e nostalgia não chegam a tanto. Quanto à língua “culta e bela”, devo
dizer que adoro Manoel Bandeira e da sua imensa obra, versos como “Vinha da
boca errada do povo/Língua certa do povo” estão dentre meus favoritos. Ademais,
acho extraordinária a argumentação de Gilberto Freyre sobre como a permeabilidade e a
plasticidade de nosso processo cultural favoreceram o “amolengamento” do duro
português lusitano, deliciosa e voluptuosamente contaminado pelas etnias
dominadas, negras e autóctones. Aposto que a nossa MPB não teria nem sombra de
seu brilhantismo e insuperabilidade sem tais transformações. Alegra-me pensar
que nosso idioma vai sendo constantemente enriquecido pelos múltiplos falares
de um Brasil tão diverso.
Por que me irrita, então, de modo intenso, a incorporação
cada vez mais frequente do vocábulo “presidenta”, nos discursos oficiais e nos
meios de comunicação? Incomoda-me porque não se trata da “língua certa do
povo”, e, sim, de língua “politicamente correta”, forjada por acadêmicos e militantes
intelectualizados. É iguaria enfiada goela abaixo pelas mentes brilhantes e
iluminadas daqueles que têm a missão de nos tirar de nossa ignorância e
alienação – e que hoje ocupam o poder. “Presidenta” não é fruto da democracia
linguística, não vem do povo, não corresponde a nenhum “falar”, que não seja
mero sociologuês ou politiquês.
Talvez poucas pessoas se lembrem, mas eu me recordo
perfeitamente de ter estudado uma classe gramatical chamada “substantivo comum
de dois gêneros”. Antes de ontem, ouvindo um noticiário da TV Brasil soou o
famigerado “presidenta”. Arrepiei-me toda e comecei a praguejar contra o
modismo acadêmico-militante-ideológico que vai nos impondo modos artificiais de
expressão. Minha irmã informou-me, então, que “presidenta” já está incorporada
às gramáticas escolares. Quase tive uma síncope. Então não existe mais a
categoria “substantivo comum de dois gêneros”?!!! Bradei. Aboliram tal classe
gramatical? Minha irmã achou que eu estava inventando o termo. Fomos ao novo
pai dos burros, Sr. Google, e lá
estava o que aprendi 30 anos atrás, na antiga escola primária: “o comum
de dois gêneros é a classificação que recebem os substantivos cujas formas masculina e feminina são idênticas mas são diferenciáveis pela presença de um modificante,
tal como um artigo ou adjetivo”. Exemplos: gerente, atendente, estudante, residente,
motorista, colega, jurista, dentista, PRESIDENTE. Em qualquer desses casos,
um simples “o” e “a” servem para definir o gênero da palavra. Minha memória não
me traiu. Para quem não se lembrava das aulas de gramática, fica a informação.
E atente-se: palavras como criança,
indivíduo e testemunha pertencem
a uma outra categoria, a dos substantivos
sobrecomuns, os que não sendo modificados por qualificadores, têm uma forma
única, indiferentes ao gênero do sujeito/objeto designado, e ponto final.
Pergunto-me que seria de nossa língua, se aplicássemos o
princípio político da igualdade de gêneros ao nosso idioma. Porque se a palavra
de ordem é usar “presidenta”, então usemos também “estudanta”, “gerenta”,
“atendenta”, “residenta”. E por que não incluir nesse movimento os substantivos
sobrecomuns? Se o princípio é o de que a língua reproduz a dominação e o ethos machista, utilizemos então a fórmula
“indivídua”! E apliquemos o mesmo princípio da igualdade aos adjetivos uniformes (“apresentam uma
única forma para os dois gêneros”)! Veja-se que primor sonoro: A estudanta é uma indivídua muito
inteligenta. Quando se formar, será uma gerenta muito competenta. Não dá
muito mais dignidade a nós, mulheres?! Abaixo o machismo da língua portuguesa!
Viva a igualdade! Agora, para não sermos sexistas de modo algum (a coerência e
o senso de justiça assim o exigem), temos de garantir aos homens o direito a um
tratamento equânime: que sejam designados por “dentisto”, “juristo”,
“motoristo”, “colego”. E para evitar que um menino cresça traumatizado e
sinta-se inferiorizado ante o gênero feminino, que seja sempre interpelado como
um “crianço”. Iniciemos imediatamente uma campanha em prol da igualdade absoluta
no idioma de Camões. Afinal, por que só a presidenta
Dilma merece um tratamento equitativo? De modo algum! Organizemos um movimento
para acabar com os substantivos comuns de dois gêneros, sobrecomuns e adjetivos
uniformes! Só assim poderemos ser um dia, um país livre da discriminação e da
desigualdade de gênero.