Na sua vida, quantas vezes você já escutou gestores
público recorrerem ao argumento da falta de recursos para justificar a
desassistência aos cidadãos, que por força constitucional, têm DIREITO aos
serviços essenciais, de Saúde, Educação e Segurança? Na Saúde Pública nem sei
se já não estamos um tanto anestesiados com as notícias cotidianas sobre nossos
compatriotas mais carentes, que impossibilitados de pagar pela saúde privada,
padecem e morrem nas filas intermináveis de caóticos hospitais, isso quando
conseguem chegar até um deles, depois de enfrentarem a via crucis que começa na
busca por atendimento básico em precários postos de saúde (quando eles existem,
e têm médicos trabalhando). Esse é um retrato bastante generalizado da situação
atual do SUS, um sistema cuja concepção é irrefutavelmente bela e generosa, e
que conta, sim com algumas ilhas de excelência. Quando os idealizadores do
nossos Sistema Único, e universal, de Saúde o inscreveram na Constituição de
1988, não imaginaram que quase trinta anos depois, o SUS ainda não estaria
plenamente regulamentado. Nem supuseram, decerto, a anomalia -- realidade
prática e objetiva vivida hoje -- que
impõe aos estados e municípios as responsabilidades mais pesadas e custos incompatíveis
com seus orçamentos, enquanto a União vem
lavando as mãos solenemente, limitando seus gastos com Saúde a meros 4% das
receitas vinculadas do Orçamento (média anual). Só para que se tenha uma noção
do que isso significa, há vários municípios no Brasil que chegam a gastar 30%
das receitas vinculadas dos seus Orçamentos com Saúde, quando sua
obrigatoriedade de investimento é de 15%. E isso para sustentar o precário
cenário que se acaba de descrever. Do mesmo modo, até que se iniciasse a crise
econômica e financeira que vem deixando estados e municípios sem capacidade de
fazerem frente às suas despesas mínimas de manutenção, todos os estados da
Federação investiam mais que os 12% obrigatórios. Já o governo federal seguia
se fazendo de morto. Se, nos últimos anos, a União tivesse investido os 10%
idealizados na concepção do SUS, seriam mais de 150 bilhões de reais por ano
injetados no nosso sistema de saúde. Obviamente, não é que dinheiro só resolva
tudo. Pode não resolver nada, sobretudo quando falta gestão, mas é fato que
Saúde custa caro, seja ela pública ou privada. Aliás, com todas as justas críticas que se possa fazer à vinculação de
despesas e receitas do Orçamento público, é alvissareira a notícia de que a União
estará obrigada a investir mais em Saúde Pública nos próximos anos. Pois ao
contrário da Educação, em que um bom professor é infinitamente mais importante
que um tablet, na Saúde, a tecnologia
e os insumos podem fazer a diferença entre a vida e a morte, a dor e o alívio.
Faço esse extenso preâmbulo apenas para reconhecer que quem faz gestão de Saúde
Pública neste país, realmente enfenta dificuldades reais e enormes. Falta
dinheiro mesmo (pelo menos no âmbito de estados e municípios). E sobram
necessidades. Mas é aí que conceitos como Prioridade, Compromisso e Seriedade
fazem toda a diferença.
No dia dezoito do mês de dezembro passado, a capital
do Rio Grande do Norte, inaugurou seu primeiro hospital público municipal. Na
pindaíba generalizada em que andam os municípios brasileiros, que não estão
conseguindo nem manter os postos de saúde funcionando em condicões básicas, o que
explica esse fenômeno? Que prefeito maluco é esse que abre um serviço
HOSPITALAR em conjuntura econômico-financeira tão adversa? E note-se bem que
não me refiro ao custo de instalação do hospital, que embora seja elevado, é
evento único, e sempre se consegue alguma verba extra para ajudar. Quem faz
gestão pública de Saúde sabe que o drama vem depois, é o chamado custeio, ou
seja, o dinheiro que vai sair todos os meses dos cofres públicos para pagar
médicos, enfermeiros, faxineiros, seguranças, remédios, insumos de toda
natureza, enfim. Essa foi, aliás, a grande pegadinha dos governos petistas para
estados e municípios: cofres abertos para montar estruturas (como as UPA´s) e
abrir serviços, mas e depois?
Bem, voltando a Natal, some-se à atual crise
financeira nacional, um cenário de terra arrasada, herdado pelo prefeito Carlos
Eduardo, há três anos. Sua antecessora havia deixado a cidade à mais completa
míngua, sem coleta de lixo, sem merenda nas escolas, postos de saúde fechados,
no maior colapso de gestão pública que eu já pude testemunhar, nesse país onde
os absurdos da vida pública desafiam a imaginação. Pois foi enfrentando todas
essas adversidades que Natal ganhou, há
pouco menos de um mês, seu primeiro hospital municipal. Palmas para Carlos
Eduardo Alves, que fez da Saúde uma Prioridade de gestão, não apenas no
discurso, mas na prática. Se não existe mágica em gestão pública, existe, sim,
a escolha. A questão não é matemática, mas política. Quando os recursos são
insuficientes -- e a verdade é que, hoje, eles são efetivamente insuficientes
nos cofres da grande maioria de municípios brasileiros, face a todas as
despesas de custeio, somadas a quedas expressivas de receita (que começaram no
primeiro governo Dilma com as políticas de isenção fiscal para estímulo ao
consumo) -- o gestor tem de fazer uma escolha, com base naquilo que considera
ser prioritário. Não sei onde o prefeito Carlos Eduardo resolveu cortar, mas
estou vendo que ele puxou o cobertor para uma área extremamente sensível,
talvez a única em que o cidadão efetivamente não pode esperar. Em Medicina,
segundos podem separar a vida da morte. Reconheço e parabenizo a coragem e a
seriedade do prefeito de Natal.
No entanto, preciso deixar registrado que o mérito
maior por esse feito compete a uma brilhante equipe de Servidores Públicos, que
fazem gestão de Saúde com uma tenacidade, um compromisso, uma abnegação, um
republicanismo e uma paixão que são exemplares, e, em se tratando do Brasil,
quase inacreditáveis. Dou esse testemunho porque tive o privilégio de conviver
e trabalhar com essas pessoas por alguns meses, quando eles estavam à frente da
Secretaria de Saúde do governo do estado. Infelizmente, a realidade da saúde
pública estadual era tão problemática e complexa, que o trabalho
verdadeiramente saneador, e hercúleo, não se tornou visível para a Opinião
Pública. O enfentamento do nefasto corporativismo dos médicos, a reorganização
dos serviços, que antes funcionavam como a casa da mãe joana e sem qualquer
racionalidade, a ginástica financeira e política feita cotidianamente para
honrar os compromissos mais básicos da Secretaria e evitar a suspensão do
atendimento aos usuários passaram quase batidos aos olhos da população, que a
despeito de todo o empenho da equipe que geria a Secretaria, continuava a sofrer
com a desassistência nos hospitais estaduais, amplamente insuficientes para
fazer frente a demandas que lhes competiam, mas também às que correspondiam aos
municípios e União.
Até a semana passada, Natal era das raras capitais do
país a não terem um hospital municipal, e simplesmente despejava seus pacientes
nas portas dos hospitais estaduais, cruzando os braços diante do sofrimento
inaceitável de tantos de seus munícipes. Quando estavam à frente da secretaria
estadual de saúde, Luiz Roberto Fonseca e sua equipe brigavam com o município
de Natal, procurando chamá-lo às suas responsabilidades. O município se
acomodava na desculpa clássica da falta de recursos. Era mais cômodo superlotar
o sofrido Walfredo Gurgel. É muito importante que se compreenda que sempre que
um município não faz sua parte no desenho do SUS, o preço é pago pelos usuários,
principalmente aqueles carentes da atenção à saúde mais especializada, que têm
de disputar leitos, médicos e medicamentos com os pacientes que apresentam
problemas de menor complexidade, num jogo de perde-perde para a população. Uma
vez que assumiu a secretaria municipal de saúde, Luiz Roberto determinou-se a
fazer aquilo que já devia ter sido feito há décadas, abrir um hospital para
atender às demandas de responsabilidade do município de Natal. Nada mais
coerente. E, no entanto, nada mais desafiador, nem mais corajoso. O processo
passou, inclusive, pelo convencimento do prefeito e dos secretários das pastas
administrativas quanto à sustentabilidade da proposta, nesse já tantas vezes
mencionado cenário econômico-financeiro extremamente adverso.
Esse hospital vai resolver os problemas da Saúde
Pública em Natal? Claro que não. Longe disso. Se em São Paulo, estado mais rico
da Federação, os cortes na Saúde Pública já estão sendo diretamente sentidos
pelos usuários do SUS, com a suspensão, por exemplo, de programas de entrega de
medicamentos crônicos, imagine-se no nosso Nordeste. O recém inaugurado
hospital de Natal é uma gota no imenso oceano de necessidades da Saúde Pública
potiguar. Porém, é uma gota de valor inestimável. Não apenas porque
efetivamente salvará vidas, desafogará um pouco os corredores dos grandes
hospitais estaduais e minorará as dores de quem antes ficava inteiramente
entregue ao desamparo. É inestimável
pelo que representa como ato e exemplo de gestão pública da Saúde. A
inauguração desse hospital representa a vitória da Sim sobre o Não, da
Tenacidade sobre a burocracia, do Compromisso sobre a leniência, da Prioridade
sobre a Demagogia, da Solidariedade sobre o comodismo, da Paixão sobre o
automatismo, do espírito de Serviço sobre o egoísmo (tão humano).
Na época em que eu convivi com a equipe que hoje está
no comando da Secretaria de Saúde de Natal, a dedicação desses servidores ao
Interesse Público não despertava apenas a minha admiração, ela me comovia. Com
eles aprendi o significado pleno e radical da expressão Servidor Público. Fui
testemunha do alto nível de sacrifício pessoal a que se submetiam no esforço
para melhorar a atenção à saúde da população. É uma bela equipe, cada um mais valoroso
que o outro, e no comando de todos eles, um verdadeiro líder, um gestor público
como até hoje não conheci igual. Não o vi titubear sequer por um segundo na
defesa do interesse coletivo, mesmo quando isso significava cortar fundo na
própria carne. Foi um Leão no enfrentamento do corporativismo dos seus pares,
pagando o preço altíssimo da animosidade entre os seus. Como pude constatar de
perto, o secretário Luiz Roberto só esmorecia quando se sentia impotente diante
do sofrimento dos menores dos seus irmãos, dependentes de um Sistema de Saúde
profundamente combalido, por décadas de má gestão, de omissão e de
promiscuidade, em todos os níveis e por diveros atores, e pelo caixa de um
estado quebrado. Sabe quando dá gosto ver a Administração Pública funcionando?
E funcionando pelo e para o cidadão? Não?! Infelizmente, no nosso Brasil, é
raro mesmo. Pois asseguro que o novo hospital de Natal é resultado disso. Meu
sonho, preciso confessar, é ver Luiz Roberto e equipe no Ministério da Saúde.
Não que ele seja o Superhomem e fosse resolver todos os graves problemas do
SUS, mas tenho certeza de que com a enorme capacidade de trabalho de sua
equipe, e com a liderança inspiradora, firme e republicana que ele exerce, os
milhões de brasileiros que dependem da Saúde Pública estariam melhor amparados.
Parabéns, Luiz Roberto! Parabéns Saudade, Marcelo, Teresinha, Manoella,
Larissa, Otávio, Catharina, Camila, Renata, Juliana..... E parabéns ao prefeito
Carlos Eduardo, que deu abrigo e cabimento a esse valente Exército de
Brancaleão.
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