sexta-feira, 8 de maio de 2015

Dia 25: Da sabedoria de relaxar e gozar

30/4/15

“Relaxe e goze” é uma mal fadada frase em virtude de seu contexto originário. Porém, encerra uma sabedoria importante, se conseguimos extrapolar suas origens. A lição importante é que quando estamos impotentes diante de determinada situação, ao invés de ficarmos lutando em vão com os fatos, melhor é tentar tirar algum proveito deles. Quando isso é possível, claro.
Acordo cedo para me despedir de D., que teve de viajar ao Texas de forma imprevista. Nos abraçamos com emoção antes que ela entre em seu pequeno conversível. Agradeço muito a acolhida e tudo que ela me ensinou, e prometo ficar em contato. Eu e L. devemos partir na manhã seguinte. Deixaremos a chave em lugar estratégico do quintal.
Após a partida de D., me ponho a limpar o gramado em frente da casa, e o quintal, que estão cobertos de galhos e folhas, arrancados numa forte tempestade que atingiu alguns estados do Sul dos Estados Unidos, na última segunda-feira. A tempestade assustou mais do que causou estragos. Nenhuma vítima, nada de inundação. Alguns prejuízos materiais, e o susto. Bom, limpo a frente da casa e vou para o quintal, catar os galhos e terminar de replantar umas mudas. São minhas últimas tarefas na casa de D., ainda que ela tenha me dito que não precisava me preocupar. Temos um dia de sol e calor e quando termino minhas tarefas, estou com bastante sede. Abro a porta de trás, para entrar em casa, e, para minha enorme surpresa, percebo que está trancada. Dou a volta na casa e constato que a porta da frente também está trancada. O carro de L. não está. Ele saiu e me deixou do lado de fora!!!
 Minha primeira reação é de raiva e desespero. Por que raios esse menino foi trancar a porta de trás? Não viu que eu estava no quintal?!!! O que me desespera é que quando L. sai, não tem hora pra voltar. Quantas vezes o vi sair com sua espingarda no carro, para atirar em esquilos inocentes, e voltar tarde da noite? E se for esse o caso? O que vou fazer se ainda não é nem meio-dia, e não tenho nem sequer algum dinheiro comigo? Vou passar o dia inteiro com sede e com fome? E ainda por cima sem poder ir a canto nenhum, porque ele também pode voltar, e se eu não estiver em frente de casa, ele não saberá que estou trancada do lado de fora. Meu plano de passear em Baton Rouge, visitar o museu de artes plásticas e o Old Capitol, então, é vaca que foi pro brejo. Logo no meu último dia em Baton Rouge! Sinceramente.
Por uns bons 15 minutos me entrego a esses sentimentos de raiva e desespero. Me sinto impotente. Isso me irrita profundamente. Quanto mais penso na minha sede, na minha fome e no passeio que não poderei fazer, mais raiva sinto. Não consigo ver uma saída pra minha situação. Até que resolvo começar a rezar. Pego uma cadeira no quintal, coloco-a à sombra da grande árvore que há na frente da casa, sento e fico rezando. Peço a Deus serenidade. Aos poucos vou respirando mais devagar e serenando. É então que penso que posso beber a água da mangueira (estou com muuuuita sede), já que na casa bebemos água da torneira mesmo. Bebo água e volto pra minha cadeira. Me lembro dos tomates que há na horta, e que estão prontos para serem colhidos. Se L. demorar, já não precisarei mais passar fome. Então, penso em como matar o tempo, e me lembro de que meu plano era o de fazer ginástica antes de tomar banho para ir passear. Por que não fazer minha ginástica ali, no gramado, ao ar livre, em vez de trancada no meu quarto? Passo do pensamento à ação em poucos segundo. Enquanto faço meus exercícios, fico mentalizando e pedindo aos Anjos que tragam L. de volta pra casa logo. Quando estou terminando a segunda série, L. chega. Como já estou serena, com toda tranquilidade do mundo lhe peço que destranque a porta dos fundos. Ele se dá conta de que me deixou trancada e pede mil desculpas. Percebo que ele não fez por mal. De minha parte, prestei atenção à lição (que não é nova!). Não adianta se debater contra circunstâncias que somos incapazes de modificar. É preciso se adaptar a elas. E da melhor maneira.
Não sei se foi o remorso, mas L. se oferece para me levar pra passear no centro de Baton Rouge. Ótimo. Não precisarei andar 40 minutos até o ponto de ônibus, nem ficar esperando pelo busu. Como demonstrou Guimarães Rosas, quantas vezes o bem acaba resultando do mal. Vou ao museu de artes plásticas da Universidade (quinto andar do Shaw Center for the Arts). Basicamente, quero apreciar com calma as obras de Clementine Hunter. Na realidade, não há nada de muito especial na sua pintura, do ponto de vista estético. Porém, há uma riqueza no registro da vida nas antigas plantations de Cane River, e algo de cativante na simplicidade dos seus quadros.
Da exposição de Clementine Hunter, vou com L. ao Old Capitol. Andamos com passo apertado, porque está pertinho da hora de fechar. Esse edifício, erguido nos anos 30, por um importante governador da Lousiana, é o mais alto palácio de governo dos Estados Unidos, segundo dizem. O estilo é eclético e há um belo jardim em frente. Dentro, o hall é todo coberto de mármore, com predomínio de preto e vermelho. Há grandes painéis nas laterais e enormes lustres. A atmosfera é excessiva e pesada. Do lado direito, a House of Representatives. Do lado esquerdo, o Senate. Um senhor de bastante idade, se aproxima da gente e fornece informações sobre elementos da arquitetura da House of Representatives. A única coisa que me desperta interesse é saber que o material utilizado no teto, lindamente decorado, é feito do bagaço da cana. Muito curioso. Subimos à torre, o mais alto ponto de observação da cidade. Bela vista. Vê-se o Mississipi de um lado, com suas pontes, e um grande lago do outro. Deixamos o prédio e caminhamos pelos jardins e pelo parque nos fundos do palácio, próximo ao lago. Na sequência, caminhamos de volta à região mais central de Baton Rouge, perto do Old Capitol. Nos separamos. Sigo para a beira do Missisipi. Sento-me e fico olhando para o rio. Toco a água gelada. D. me explicou que o leito do Missisipi é todo acimentado. Olhando para o Mississipi, nesse momento, penso em como ele é um rio aprisionado. Não tem mais a liberdade de correr por onde lhe apetece. Não pode mudar seu curso. Talvez por isso tenha me parecido um rio triste.
Caminho até o Old Capitol. Visitei-o no domingo, com D. Hoje funciona como um museu do estado. Nas paredes do edifício em forma de pequeno castelo, as fotos de todos os governadores. Uma exposição virtual permite ao visitante informar-se sobre qualquer um deles. Muitas referências à Guerra Civil, que tantas marcas parece ter deixado nos sulistas. Nesse museu, aprende-se que a capital administrativa da Lousiana mudou várias vezes, ao longo do tempo. Em algumas ocasiões, esteve em Nova Orleans, e acabou se estabelecendo definitivamente em Baton Rouge. Aparentemente, desistiram de Nova Orleans porque os políticos tinham coisas demais com que se distrair na cidade do Jazz e do Mardi Gras.
A verdade é que Baton Rouge é uma cidade sem charme. Com poucas coisas interessantes para um turista. Seus museus são modestos, as coleções pouco significativas. A própria paisagem do Mississipi é sem graça. A área mais bonita da cidade é o enorme e arborizado campus da LSU.
Caminho mais um pouco e sento num banquinho de praça, em frente a um bar onde deve haver uma sessão de piano. Marquei o reencontro com L. ali. Enquanto espero por ele, observo o bar vizinho, onde um músico se prepara para começar seu show de happy hour. Começa a tocar seu violão. Duas universitárias, com micro shorts e barriga de fora se aproximam do músico e ficam fazendo bambolê. Uma delas tem uma cerveja na mão. A outra faz acrobacias com o bambolê. Ao lado, o pianista, de chapéu preto e piercing gigantesco na orelha, faz embaixadinhas com uma bola de tênis. A hostess do bar e o gerente, ambos bem jovens, se derretem um para o outro. Me divirto observando a cena.
L. chega. Desistimos de ir para o piano bar e voltamos para a beira do Mississipi para ver o pôr-do-sol. Nos deitamos na encosta de cimento, pertinho da água e ficamos observando o céu se enfeitar de alaranjados, vermelhos e amarelos. O pôr-do-sol é um belo espetáculo da natureza. Sempre. Por trás de nós, a lua já começa a subir. Está quase cheia. Enquanto isso, conversamos. L. diz que não andará mais armado (perdeu o emprego que D. havia conseguido pra ele, por portar uma arma), que aprendeu a lição. L. é um desses jovens que se acham agredidos na sua individualidade, ou inteligência (?) por seguir regras, quaisquer que sejam elas. Tento dizer-lhe que a sociedade seria bem pior sem regras do que é com elas. E que mais importante do que seguir as regras é fazer a coisa certa. Frequentemente, há uma coincidência entre ambas. De todo modo, fazer a coisa certa sempre nos levará a respeitar o espaço e os direitos alheios, além de garantir paz de espírito, que é das coisas mais preciosas que se pode almejar na vida.

Me despeço do céu e das estrelas de Baton Rouge. Um ciclo está prestes a se encerrar. Amanhã rumarei para Nova Orleans.

Um comentário:

  1. Muito bom ler vc! Parabéns pelo texto e experiências! Saudações amazônicas 🙏

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