02/05/15
Uma
coisa boa dos albergues (hostels) é
que há muitos espaços de socialização. Além do quarto compartilhado, albergues costumam
ter varandas ou pátios, e lounges,
onde as pessoas acabam se encontrando e entabulando conversas. O café da manhã,
servido numa copa coletiva, é um momento particularmente propício para os
encontros. Acordo pelo meio da manhã,
tomo meu banho e me dirijo à copa. No
Nola Jazz House, o café da manhã consiste basicamente de café, leite, aveia e
massa para panquecas ou waffles, com
nutella, geleia ou mel. Eu como um pãozinho que trouxe comigo. Ainda estou
comendo quando chega um grupo de brasileiros, homens e uma moça, na faixa dos
trinta. Alguns deles são de Itu, a cidade das coisas gigantes (lembro-me de uma
viagem que fizemos para Itu, quando eu era bem pequenina, e de como fiquei
super impressionada com os objetos enormes que eram a marca registrada da
cidade, pelo menos naquela época). Sou convidada para ir com eles ao Jazz Fest. Me alegro em ter companhia.
Saímos
no início da tarde e vamos a pé. Uns 30 minutos de uma agradável caminhada, por
uma espécie de calçadão urbano, já que não há praia. Trata-se de um gramado,
com pista de bicicleta, no meio de uma ampla avenida. Em determinado trecho,
passamos a caminhar num gramado, ao lado de um canal, uma pequena orla
urbanizada. Estamos nos aproximando do local do Jazz Fest. É uma vizinhança adorável. As casinhas de madeira,
avarandadas, típicas de New Orleans. Parece ser uma área de classe média alta.
Muitas pessoas caminham para o Jazz Fest,
como nós. Há uma leveza e uma alegria no ar.
É
um belo dia de sol e, na verdade, começa a fazer bastante calor. Passamos por
uma linda pracinha, e uma rua cheia de restaurantes charmosos. Estamos bem
perto do Jazz Fest e, agora, uma
pequena multidão caminha conosco. As ruas se fazem pequenas e apertadas.
Mulheres e crianças negras anunciam a venda de água, limonada e algumas
guloseimas, isso a despeito de um cartaz que diz que vendedores ambulantes não
são permitidos. A cena me chama a atenção. Sinto-me um pouco como no Brasil.
Chegamos
à entrada e há uma longa fila para a compra de ingressos. Sou a única que não
havia comprado antecipadamente. Digo à galera que entre, porque certamente devo
ficar uma hora naquela fila. Um dos rapazes se oferece para vir me encontrar
num determinado ponto, pra eu não me perder do grupo. Muito gentil. Eles entram
e eu vou pra minha fila. O sol na cabeça incomoda um pouco. Mas a fila acaba
andando rapidamente, pois há vários caixas e é tudo muito organizado.
O
Nola Jazz Fest está em sua décima
sétima edição e é um evento importante do calendário internacional de festivais
de música. No albergue onde estou, várias pessoas vieram de diferentes lugares
do mundo, só para esse festival. A estrutura é gigantesca. São 12 palcos, com
programação das 11 da manhã ãs 7 da noite. Tem música para todos os gostos, e
estrelas nacionais e de outros países se apresentam ao longo das duas semanas
de programação. O espaço que abriga o Jazz Fest é um grande descampado, e ir do
início ao final dele pode levar mais de meia hora.
Como
tenho bastante tempo até a hora de encontrar Matias, vou dar uma espiada na tenda
de Blues. Três mulheres fazem um show. Cantam muito bem, e a plateia está
animadíssima. A tenda está lotada. Parte do público está de pé, dançando. As Divas encerram o show com God Bless America. Todos se levantam e
cantam com elas. Fico emocionada.
Sigo
para a tenda de Gospel Music, onde marquei o encontro com Matias. Estão
preparando o palco para o próximo show. Enquanto isso, uma espécie de
apresentadora, brinca com o público. Logo uma grande família sobe ao palco.
Cantam músicas animadas. Os homens tocam instrumentos e as mulheres e crianças
cantam. Não posso dizer que a música me emociona, mas gosto da experiência. Entre
uma música e outra, a matriarca apresenta os vários componentes do grupo, que é
formado por quatro gerações da mesma família.
Saio
no meio do show para encontrar Matias, que aparece exatamente na hora marcada.
Então, temos que atravessar uma multidão para chegar ao local onde está a
galera paulista, bem perto do palco principal.
Começa
o show de Jerry Lee Lewis, uma lenda do Rock
and roll americano. É tido como um dos pioneiros do gênero, e seu
instrumento é o piano. Um mar de gente se aglomera ao redor do palco, para
ouvi-lo. Ele já é um senhor de 80 anos, não se sabe quanto tempo mais vai
durar. Toca seu piano com um vigor, uma intensidade impressionantes. A plateia
vibra.
A
galerinha paulista é gente boa. Os rapazes são amigos de infância. As duas
moças são esposas. Só J. não faz parte da turma. Também é de São Paulo, mas
como eu, conheceu a galera no albergue. Ele trabalha na Bosh e está morando nos
Estados Unidos. Os ituenses fumam uma maconha empurrada. Eles fazem amizade com
um casal americano na faixa dos 50. Quando menos espero, estão todos na mari juana. Acho engraçado porque
ninguém me oferece. Algo na minha linguagem corporal deve ter anunciado que não
é a minha praia. Eu e Matias somos os únicos a não compartilhar os cigarros que
circulam, de tempos em tempos.
Acaba
o show de Jerry Lee Lewis e enquanto arrumam o palco, nos sentamos o chão. Faz
um calor grande, e o sol castiga o cocoruto. Engraçado, porque são cinco horas
da tarde e é nessa hora que o sol parece mais abrasador. A multidão, que já era
grande, se multiplica. As imagens que passam no telão são impressionantes. Sou
péssima nesse tipo de cálculo, mas deve ter pelo menos umas cem mil pessoas. O
show de Elton John é animadíssimo. Sua performance vigorosa ao piano é
impressionante. Como de costume, ele veste um terno brilhoso, extravagante.
Está beeem gordinho. A cara parece inchada, e refeita em plásticas ou botox.
Seu comportamento no palco denuncia um forte narcisismo.
Quando
o show termina, estamos exaustos, com o sol, o calor, e tantas horas de pé.
Esperamos um pouco para que a multidão diminua. Ainda assim, pegamos
congestionamento de gente na saída. E quando alcançamos a rua, uma surpresa. Em
praticamente todas as casas da vizinhança charmosa e claramente abastada, há
uma festa rolando, com música e tudo. Em algumas delas, mesas com bebidas e
comidas estão dispostas nas calçadas. Tudo parece uma festa só. As pessoas
continuam animadíssimas, fazendo dessas simpáticas ruas do entorno, um adendo
ao Jazz Fest. Muito interessante.
Pena que eu não tenha mais energia para curtir essa farra. A galera de Itu
fica, eu e J. voltamos caminhando. Paramos num restaurante pertinho do albergue
e comemos uma deliciosa comida creole,
com crawfish e camarões.
De
volta ao albergue, só penso em tomar um banho e me deitar. Acabo encontrando
Caroline, e conversamos um pouco. Quando estou pra me deitar, chegam os rapazes
de Itu, inteiramente bêbados. Mas ainda conseguem contar que foram convidados a
comer um churrasco e beber, numa das casas do entorno do Jazz Fest. A
hospitalidade sulista é mesmo particular. Lembro-me do rapaz que me ajudou com
meu computador, da primeira vez em que estive em New Orleans, a caminho de Baton
Rouge: “Já ouviu falar na hospitalidade sulista? Nós levamos isso a sério”.
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