21/4/16
Amigas me esclarecem
que as reações à reportagem da Veja sobre Marcela Temer são protestos contra o
posicionamento da revista, e a propagação de um “modelo” de mulher, no caso,
submissa (bela, recatada e do Lar).
Não sei,
honestamente, se isso piora ou melhora o cenário, para a minha pobre
sensibilidade, um tanto cansada desse clima de Fla x Flu, que parece ter
sequestrado o Bom Senso em ambos os lados. Ou talvez eu ande lendo Sócrates
demais...
Passemos ao exame
lógico do argumento apontado acima e respondamos a algumas perguntas:
1) Se a revista em
questão propaga um modelo de mulher submissa (que deixou tantas pessoas
indignadas), o que dizer das muitas reportagens da mesma revista, que em tempos
recentes, propagaram modelos de mulheres independentes, inteligentes,
competentes e bem sucedidas, e, em muitos casos, belas, elegantes e
sofisticadas? (Se alguém tem alguma dúvida a respeito, sugiro que pesquise
edições passadas, em que há vários perfis, por exemplo, de altas executivas e
empresárias; ou leiam-se os textos sobre Amal Alamuddin, a bela e brilhante
esposa de George Clooney).
2) Se a revista em
questão defende um único modelo de mulher (recatada e do Lar), o que explicaria
a capa de edição recentes, que traz duas mocinhas com roupas curtas e ar
provocante, como ilustração para a matéria principal, que fala em sexualidade fluida
(e sem a emissão de juízos de valor)?
3) Se ao publicar a
matéria sobre Marcela Temer a revista está mesmo defendendo UM modelo de mulher
(a submissa), estaria a revista sofrendo de esquizofrenia? Ou subitamente, na
última semana, sofreu uma guinada de perspectiva sobre o feminino?
4) E, se, ao ir
cobrir a pauta que recebeu de traçar um perfil da provável futura primeira-dama
do país, a repórter (sim, é uma mulher) se deparou exatamente com o perfil
traçado, constatando, que Marcela Temer é, de fato, recatada e do Lar. Quem se
deu ao trabalho de ler a matéria, notou que são pessoas muito próximas a
Marcela que traçam seu perfil, como irmã e tia. Suponhamos (e ao que tudo
indica foi o que aconteceu) que a repórter não encontrou nada além do que ali está
posto. O que ela deveria fazer? Inventar uma personagem que de fato não existe,
só para não ferir suscetibilidades femininas e feministas?
5) Agora, examinemos
o argumento de que as reações enfurecidas devem-se à propagação de UM modelo de
mulher, o que é uma violência essencialista, pois as mulheres são múltiplas e
não precisam se prender a um único papel ou perfil. Se Marcela Temer fosse
outra pessoa, digamos, na linha de Amal Alamuddin, e a matéria definisse a vice
primeira-dama como “Bela, brilhante e determinada”, haveria reações coletivas
indignadas e memes circulando nas redes sociais?
Pediria aos espíritos
independentes e críticos que refletissem sobre essas questões. Se ao final, sua
conclusão, a partir de uma leitura desarmada e desinteressada, for a de que a
revista está, sim, defendendo e propagando UMA visão do feminino, de modo a
estimular as mulheres brasileiras a serem recatadas e do Lar, muito bem,
proteste mesmo. Eu serei a primeira a respeitar e aplaudir sua posição e seus
memes.
Agora, se me
permitem, vou compartilhar aqui, minhas próprias conclusões.
Minha leitura, após
reflexão serena e cuidadosa, é a de que as reações à matéria tão boba são
desproporcionais e estão enviesadas pelo ambiente de guerra que vivemos no
Brasil. A ideia de que a revista Veja está “propagando o modelo de mulher
submissa” não me parece resistir a análise dos FATOS (i.e., inúmeras
reportagens, da mesma revista, que “propagam” outros modelos do feminino). Como
não percebo nenhum indício de que a revista tenha mudado de posicionamento nas
últimas semanas, nem creio que sofra de esquizofrenia, só posso concluir que o
perfil da vice primeira-dama foi aquele que a repórter conseguiu apurar. E, a
julgar pelas demais informações (poucas, aliás, o que sugere ser ela uma mulher
efetivamente recatada) disponíveis sobre Marcela Temer, parece ser fiel à
realidade. Não que Marcela Temer seja APENAS bela, recatada e do Lar, ela
certamente é mais que isso. Porém, essa é a dimensão do seu perfil que fica
mais evidente, e do qual, como disse em minha postagem anterior, ela talvez se
orgulhe.
Também concluo, como
já assinalei antes, que as reações indignadas da maioria das pessoas têm como
motivação de fundo a recusa a UM MODELO ESPECÍFICO DO FEMININO. E é
precisamente isso o que mais me incomoda. Não estou escrevendo a esse respeito
para defender a revista Veja, que nem precisa de minha defesa, nem me é tão
cara para que dispenda meu tempo e minha energia com ela. Escrevo porque
enxergo nas reações à matéria um preconceito, amplamente disseminado, contra
papéis femininos tradicionais.
Digo isso por
experiência etnográfica própria. Quando terminei meu doutorado, numa das
universidades mais prestigiosas do mundo, eu saí dizendo aos amigos que eu
estava farta da vida de mulher independente, que eu queria era ser sustentada e
virar dona de casa e mãe de família. A primeira reação das pessoas era
invariavelmente o riso. Quando eu esclarecia que não era piada, vinham o
espanto e as falas ligeiramente indignadas, normalmente precedidas da pergunta:
Você está louca? Foi ali que descobri como, enquanto sociedade, nos tornamos
intolerantes com relação às escolhas das mulheres. As expectativas sociais com
relação a mulheres que tëm acesso à educação de alto nível, e que têm a
possibilidade de seguir carreiras profissionais bem sucedidas, são de que elas
ESCOLHAM esse caminho, de independência, autonomia e igualdade com relação aos
papéis masculinos. Temos dificuldade de aceitar escolhas contrárias. Os
caminhos do Lar, do Recato e, por que não dizer, da Submissão, não são vistos
pela sociedade contemporânea (e pós-moderna) como escolhas legítimas. Não são
apenas desvalorizadas, mas moralmente condenáveis. A menos que, por falta de
talento, de inteligência ou de oportunidades (casos das mulheres que não têm
acesso à educação de alto nível), as mulheres se vejam “obrigadas” a aceitar
papéis femininos tradicionais. Ou seja, como coletividade, só admitimos que
mulheres sejam do Lar e submissas, se fatores EXTERNOS as compelirem a tanto.
Não admitimos, com facilidade, que esse seja um processo INTERNO de decisão.
Sei que meu
posicionamento é controverso e não pretendo ser a dona da Verdade. Obviamente,
posso estar completamente equivocada. Cada um fará sua leitura. Meu desejo, com
minha postagem anterior, e com esta, é apenas o de provocar reflexões. Para
concluir, quero insistir que a matéria da Veja sobre Marcela Temer até me
provocou incômodo, porém, por razões distintas. Acho que está fora de timing, é
deselegante e inapropriada porque desrespeita o PROCESSO que estamos vivendo.
Michel Temer ainda é vice. Dilma ainda é a presidente. Com tudo que vem
acontecendo no Brasil, todos os atores públicos deveriam se comportar com mais
decoro e respeito. Além disso, o texto é bobo. Parece reportagem de Caras. Por
fim, surpreendeu-me a clara empatia da jornalista com o “conto de fadas”
aparentemente vivido por Michel e Marcela. O único juízo de valor que consegui
enxergar no texto foi o de que o casal tem sorte pela relação harmoniosa e
amorosa que vive, com direito a poemas de amor (achei até bonito aquele citado
no texto) e jantares românticos a luz das estrelas. Porém, se essa imagem,
transmitida pelos familiares de Marcela, for fidedigna, é inegável que os dois
são sortudos. Quem não suspiraria por uma relação assim?
Quanto ao mérito da
polêmica, desde que constatei, pessoalmente, o nível de preconceito que vivemos
com relação aos papéis femininos tradicionais, aproveito toda e qualquer
ocasião para defender a escolha das mulheres que, dentre as muitas possibilidades
que a vida lhes oferece, optam por serem do Lar, ou recatadas, ou esposas
submissas. Não há valor maior, para mim, do que a defesa da Liberdade que cada
uma de nós deve ter para ser o que quiser, e quando quiser.
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