quinta-feira, 14 de junho de 2012

Diário de viagem: Manaus, parte 11


Manaus, 06 de fevereiro

Acordei me sentindo um pouco melhor. Decidi ir à feira. Sozinha mesmo. Não demorei muito porque comecei a me sentir meio fraca, a pressão baixando. Comprei ramutã e maracujá da selva. Fruta interessantíssima esta. Por fora lembra um maracujá, só que de vez. Não tem as rugas do primo. Parte-se a fruta com a mão. Entre a casca e a polpa há uma grossa camada de um tecido branco esponjoso. Super macio. Só depois de se romper essa proteção, chega-se à polpa, de cor acinzentada e super doce. Parece um cerebrozinho em miniatura. Os carocinhos são envoltos nessa carne cinzenta, muito mole. Na realidade, chupamos esse miolo, que passa à boca com a maior ligeireza e suavidade. Engole-se a fruta com carocinhos e tudo. Não tem um perfume marcante, mas é muito gostosa.
Cena engraçada: Conversei uns 3 minutos com o vendedor do maracujá, indagando-lhe sobre a fruta. De repente, ele se vira para mim e pergunta se eu sou casada. Felizmente, tive suficiente presença de espírito para mentir e dizer que sim. Ele, então, me retrucou: E cadê seu marido? Não está com você? Respondi-lhe que estava numa viagem de trabalho e que viera sozinha. A resposta o deixou perplexo. Me disse que aqui no Amazonas não tem disso, não. Mulheres casadas não viajam sozinhas, que os maridos não admitem. Despedi-me rindo muito. Creio que em outro contexto teria ficado zangada. Mas havia tanta inocência nessa “cantada”, que achei fofo o jeito dele. Nem por um segundo passou por sua cabeça que fizéssemos parte de mundos muito distintos. Ou, se passou, certamente não lhe pareceu um empecilho. E ele ainda era baixinho. Talvez tivesse 2/3 da minha altura. Enfim. Sua ingenuidade me sensibilizou.

À noite, eu e Vivi fomos ao Palácio de Justiça para assistir a mais um recital do nosso jovem pianista. Chegamos e ele estava à porta. Abriu um sorriso quando nos viu, mas o sorriso durou pouco. Constrangido, veio nos dizer que o recital havia sido antecipado em uma hora e que terminara naquele instante. Ficamos desconsoladas. Um senhor, que tinha vindo visitar o Palácio, lhe sugeriu que tocasse mais uma música, para nos contemplar. Ele adorou a idéia, consultou os monitores do prédio e corremos para a sala do recital. Tocou-nos uma única música. A sonata n.1 de Rachmaninoff. Sensacional. Ele é mesmo uma gracinha!
Já que estávamos ali, fomos fazer a visita guiada do Palácio. Começo a desconfiar desse processo de restauro empreendido pela Secretaria de Cultura. O Palácio de Justiça mesmo não foi restaurado! Não se pode chamar de restauração a uma pintura de portas e janelas que imita sei lá que tipo de madeira. Simplesmente, pintaram e mobiliaram o prédio de qualquer jeito, para que ele pudesse ser aberto à visitação. Não parece ter havido ali qualquer preocupação com a feição original das coisas. Tive uma péssima sensação de que tudo ali era meio fake – à exceção da escadaria em ferro fundido e da fachada neoclássica (que felizmente está num amarelo discreto, com detalhes brancos). O mais interessante da visita foi a conversa com um senhor, acompanhado de dois filhos, que me contou várias coisas sobre a presença dos judeus no Amazonas. Falou-me sobre o túmulo de um rabino que a população local acredita ser milagreiro. E sobre os túmulos das “polacas”. Falei-lhe sobre Traduzindo Hannah. A vida é mesmo surpreendente. Eis uma conversa que jamais suspeitaria ter aqui em Manaus. Esta semana não posso deixar de ir visitar o cemitério de São João Batista, onde se encontram esses túmulos. Fica junto do Reservatório do Mocó.

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