Parece indiscutível que nosso caminho rumo à consolidação da
capital pernambucana como pólo cultural nacional é árduo e nossa marcha,
trôpega. Se a oferta cultural é constante e de primeira qualidade, falta-nos
mais profissionalismo na logística e sobra-nos leniência com as falhas.
Testemunhei exemplos básicos no final de semana de Cine PE. Incrível como na
16ª edição desse festival, ainda houve tantos problemas técnicos e logísticos.
É claro que o Cine PE é um evento maravilhoso, uma grande conquista para o Recife,
um feito importante. Mas é preciso sermos honestos e encararmos nossas
limitações, se quisermos ser grandes. No sábado, a desorganização da
programação, aliada à falta de informações e orientação ao público me pareceu
imperdoável. Segundo soube pelos jornais,
problemas com o som na sessão da abertura levaram a uma alteração da
programação de sábado. “Problemas no som” já são inadmissíveis em si mesmos
(ainda mais na abertura!), mas suponhamos que tenha se tratado de uma
fatalidade, algo absolutamente inevitável e imprevisível, como um rato advindo sorrateiramente
na noite anterior e que na sua gula tenha feito dos cabos, um lauto repasto. Vá
lá. No entanto, não havendo outra solução possível a não ser a mudança da
programação, o mínimo que se espera da organização de um evento desse porte é
que as informações sobre tais alterações se encontrem devidamente expostas e
disponíveis para a assistência. Pois não foi o que aconteceu no sábado. Nem um
mísero papel ofício, manuscrito que fosse, indicava ao público as alterações de
programa. Quem chegou para assistir a Xingu,
às 17 horas, descobriu, surpreso, já instalado na sala escura, que havia uma
sessão de curtas no lugar. Para inteirar-se sobre o que ocorreria na sequência,
era preciso perambular pelo Centro de Convenções, indagando a funcionários
muito mal informados, sobre exatamente que filmes seriam exibidos e em que
horários. A desinformação dos funcionários do evento era, aliás, espantosa. A
começar pela bilheteria. Um rapazinho atarantado vendeu-me um ingresso que
daria acesso “a todos os eventos do dia”, quando, na realidade, só as sessões
da noite eram pagas. Tendo chegado para a sessão da tarde, eu não teria
necessidade de adquirir o ingresso, coisa que o rapazinho da bilheteria
desconhecia. Como pretendia assistir também à sessão noturna, não fiquei no
prejuízo. Tampouco se podem considerar prejuízo 8 reais. A questão incômoda é a
desinformação e o despreparo das equipes. Para ser justa, devo registrar que no
domingo já havia papéis bisonhamente pregados no cartaz da programação,
informando mudanças de horário e de conteúdo. Ainda que toscos, eram melhor que
nada.
Para completar os atropelos do sábado, o melhor dos curtas
exibidos na sessão vespertina (o belíssimo e delicado Zé Monteiro: o homem que venceu as cinco mortes) congelou repetidas
vezes. Não importa se foi problema de mixagem, de gravação, ou de falta de
oração das freirinhas carmelitas de Olinda. A platéia não tem nada a ver com
isso. Eventos como esse são programados e organizados com antecedência, permitindo
a realização de todo tipo de teste preventivo. Problemas técnicos precisam ser
realmente excepcionais. Por fim, em
virtude da reorganização ou desorganização da programação – tal como já aconteceu
em edições anteriores do festival – o longa da noite, Jorge Mautner: o filho do holocausto, começou a ser exibido
tardíssimo, encerrando-se já quase à meia-noite e meia.
No domingo sucedeu episódio ainda mais lamentável. Estávamos
lá, assistindo ao longa da noite, Boca
(primoroso trabalho de fotografia, direção de arte, figurino e cenografia), de
Flávio Frederico, quando subitamente acendem-se as luzes e o produtor, ofegante,
surge no palco pedindo desculpas e informando que a exibição fora interrompida
porque a sequência do filme estava errada!!!! Nunca realizei um filme, mas
posso imaginar a frustração, a raiva, o desconsolo de diretor, produtor e
artistas vendo sua obra ser desfigurada aos olhos de um grande público. Eu
imagino que enfartaria. Sensação semelhante devem ter experimentado Breno
Silveira e equipe na noite de abertura, quando o filme À beira do caminho foi exibido com som quase inaudível, segundo me
contaram. Na sessão de domingo, fiquei passada com o fiasco por mim
testemunhado; literalmente, morrendo de vergonha. Ao ver Rubens Ewald Filho
passando, na saída do teatro, tive vontade de pedir-lhe desculpas,
enfaticamente, em nome dos pernambucanos, por tamanho vexame. Faltou-me
coragem. Outros convidados nacionais testemunharam a vergonha coletiva.
É realmente uma lástima que eventos tão belos em sua
proposta e ambiciosos em sua envergadura padeçam de erros tão elementares. Os
quais devem explicar, inclusive, porque vai se reduzindo o público do Cine PE.
Lembro-me bem das primeiras edições do festival, quando os ingressos eram
disputados a tapa. O Teatro Guararapes com gente saindo pelo ladrão e ainda
assim muitos voltavam para casa de mãos abanando. Eu, inclusive. No último
final de semana, o público nem chegou a lotar o térreo do teatro (platéia), em
nenhuma das sessões. Seria bom que os organizadores refletissem a respeito.
Nosso Cine PE pode ser muito melhor e maior, se vencermos um certo ranço
amadorista que nos impede, não só neste caso, mas também, de consolidarmos uma
imagem de excelência em termos de vida cultural, e até, de encetarmos vôos mais
altos.
Aliás, pensando além do Cine PE, gostaria de insistir no
fato de que essa falta de profissionalismo – ou amadorismo – é corriqueira nos
nossos eventos. No concerto da OSR, de primeiro de maio, o pianista e
compositor Nelson Ayres ficou visivelmente aborrecido com falhas no equipamento
de som do Teatro Luiz Mendonça (novinho em folha!). Em show recente de Virgínia
Rodrigues, no Santa Isabel, idem. Falhas no equipamento de som por pouco não
comprometeram o trabalho dos músicos, um violonista e um celista. É vergonhoso
trazermos profissionais reputados, que certamente são super criteriosos e
exigentes com seu próprio trabalho, para submetê-los a problemas como
microfonia e não retorno do som. Não sei se nos faltam técnicos, equipamentos,
planejamento, enfim, não sou produtora, mas como público e, sobretudo, como
recifense e pernambucana de coração, sinto ser imperativo que busquemos a
excelência de nossos eventos culturais, não apenas em atrações, mas em
logística. Nossos produtores e gestores devem essa a Pernambuco e, sobretudo, a
seus próprios convidados.
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