sexta-feira, 18 de maio de 2012

Confissões de uma viúva do PT (parte 3/3)


Lula fez muita coisa boa pelo Brasil, diz a vox populi. E é mesmo inegável a atenção dada pelo ex-presidente aos mais desfavorecidos. Mais inegável ainda é sua capacidade de se comunicar com esse povão, e de passar incólume pelo mar de lama que soterrou seu governo e se espalha, ainda, pelo de sua sucessora. Reconheço vários pontos positivos no Governo Lula, e destaco o aumento do salário mínimo, o tratamento dado ao ensino universitário público, a coragem de montar políticas decentes de segurança e de cultura. No entanto, quando olho para a balança, não consigo deixar de enxergar um saldo negativo considerável. Os males causados à República são pesados, pesadíssimos. Sinto, no meu coração, que jamais serei capaz de perdoar Lula e o PT por terem reduzido a cinzas a minha e a nossa esperança de um Brasil institucionalmente sólido, saudavelmente democrático, plenamente republicano. Hoje, quando olho para o horizonte do Brasil, não consigo enxergar uma luz no fim do túnel. E mais, no prato das realizações positivas, sou obrigada a reconhecer o peso considerável da herança de Fernando Henrique. Quando faço pesquisas e ouço as pessoas falando sobre o que mais melhorou nas suas vidas, assim como sobre seus novos sonhos e aspirações, não posso deixar de identificar a estabilidade econômica e o desenvolvimento em grande medida propiciado pela modernização do Estado (incluindo as privatizações) como motores fundamentais das mudanças hoje vivenciadas e tão valorizadas pela população. As pessoas nem sabem mais disso -- porque o PT teve a competência de roubar para si o legado simbólico da estabilidade --, mas devem muito ao ex-presidente Fernando Henrique o atual ciclo de prosperidade. Eu, que tanto imprequei contra ele, devo-lhe desculpas sinceras (aqui tornadas públicas). Não caro leitor, o Brasil contemporâneo não foi inventado pelo Governo Lula.
Para concluir essa longa reflexão, gostaria de dizer que uma coisa boa resultou da minha amarga decepção com o PT (acrescento que, infelizmente, as práticas antirepublicanas petistas são corriqueiras também nas esferas municipais e estaduais, seja no Executivo, seja no Legislativo). Esse saldo positivo, pessoal, diz respeito a um aprendizado valioso. Dizem que só o sofrimento nos permite amadurecer e crescer como pessoas morais. Pois bem. A decepção com o PT me fez uma pessoa menos radical, menos dogmática, logo, mais aberta e mais reflexiva. Por conta dessas novas posturas, pude conhecer políticos decentes situados no outro pólo do espectro ideológico. Aprendi a admirar pessoas que antes eu rotulava de reacionárias, autoritárias, neoliberais e mais um bocado de etiquetas, aplicadas por mero pre-conceito. Por ironia da vida, hoje, os poucos políticos que eu consigo admirar, em razão da coerência, da decência, do estofo intelectual e das atitudes, são todos da chamada “direita”. São políticos sofridos, que lutam ingloriamente para se manterem afastados das práticas promíscuas, tornadas absolutamente comuns e corriqueiras na vida pública brasileira. Políticos que têm enorme dificuldade, inclusive, de evitar o clientelismo mais cínico no relacionamento com a população! Que cansam a garganta tentando explicar aos eleitores que não podem lhes dar um molho de tijolos, ou uma cesta básica, mas que quando eleitos apresentarão projetos de lei voltados para a melhoria das escolas de seus filhos, da segurança de suas cidades, do ordenamento urbano. E mais, são políticos que propalam idéias. Têm convicções e buscam ser coerentes com elas. Posso até discordar de sua concepção de Estado, Mercado e Sociedade, mas não tenho como não reconhecer e admirar suas atitudes, sua coerência, seu compromisso com a res publica. Algumas dessas pessoas fazem brilhar uma pequenina chama entre as cinzas da minha esperança, calcinada pelo PT. Funcionam como aqueles pontinhos alaranjados numa fogueira quase extinta, brasas ocultas e tímidas, soterradas pela matéria morta das minhas ilusões e ideais.

2 comentários:

  1. Querida Valéria,
    Acho que passei 40 anos dos meus 53, acreditando que o Brasil pudesse ser diferente do que construímos até agora. Nesse processo, briguei com gente que estacionava o carro em vaga de idoso, que jogava lixo pela janela, briguei com polícia autoritária em blitz. Aliás, a polícia precisa saber que blitz não pega bandido. Participei de greve de professores, acreditei numa política decente, acreditei que chegaria a hora de investir de forma séria em educação... Nossa, olhando pra trás, vejo que acreditei em tanta coisa. Ou estou perdendo o ideal ou a presbiopia me fez perder o foco para sempre.

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  2. Querido,
    Infelizmente não é você que está perdendo o foco, mas o Brasil. E talvez de modo irreversível.Eis o que nunca poderei perdoar ao PT.

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