sexta-feira, 11 de maio de 2012

Diário de viagem: Manaus, parte 7


Manaus, 01 de fevereiro

O clima em Manaus é absolutamente instável. Sei que em todo o planeta o clima está meio doido e imprevisível, porém, aqui é demais. Euclides da Cunha tinha razão, a sensação é de que a paisagem pode mudar a qualquer instante. Quatro horas atrás fazia forte calor. Céu azul. Mas, com “sol de chuva”, segundo seu Sabá. Explicou-me ele que quando a luz do sol está muito branca e cortante, é sinal de que choverá mais adiante. O fato é que à tarde o céu fechou repetinamente e a chuva caiu com vontade. Continua chovendo, porém, com menos intensidade. Sentada à mesa de um café, à espera do jornalista que devo entrevistar, sinto frio novamente. O ar que chega até a varanda onde me encontro é úmido e gelado. Recorro à pashmina que tem sido minha companheira inseparável, nas visitas a gabinetes e escritórios invariavelmente congelantes. Tinha ouvido falar que todo mundo aqui vive no ar condicionado 24 horas. O frio da rua é que me surpreende.
Aspas no meu idílio com Manaus: ausência de perfumes no ar! Como é possível? Não há aromas de frutas, nem de flores, nem mesmo de comidas saborosas, ou de terra e folhas molhadas. Nada. Manaus é uma cidade sem cheiro. Confesso que isso me frustra. Talvez seja só a época do ano. As únicas frutas locais que se vê nas barraquinhas de rua são a pupunha e a tucumã. Frutos de palmeiras. Não rescendem. E sabem à raiz. São umas coisinhas muito sem graça, insossinhas. Provei a pupunha domingo passado. Após o recital de piano, e o tacacá frustrado, Vivi quis comer uma pizza. Voltamos ao bar onde havíamos estado com Paulo, semana passada, lá mesmo no Largo de São Sebastião. O dono, seu Rosendo, nos trouxe uma pupunha, para provarmos. Em termos de sabor, parece mais um inhame, ou uma batata-doce sem o doce. Aliás, os manauaras comem esse fruto com café, tal como fazemos em Pernambuco com o inhame. Mais uma fruta de aparência enganosa. Ela é redondinha, com a casca bem vermelha. Você imagina que vai morder uma carne suculenta e docinha, e não é nada disso. É preciso descascá-la e cortá-la em lascas, pois a polpa é firme e “massuda” como a da batata-doce.
História hilária, não registrada antes. Quando estávamos nesse barzinho, começou a chover. Todo mundo que estava nas mesinhas de fora correu pra se abrigar dentro da casa. Eu e Vivi fomos rápidas e conseguimos uma mesa dentro. Quando ela estava terminando de comer a pizza (eu estava saciada com minha pipoca e meu algodão-doce), dois homens se aproximaram e pediram para apoiar os copos de cerveja na nossa mesa. Claro que permitimos, e eu ainda lhes ofereci a metade da pizza, que Vivi não comeria mais. Entabulamos uma conversa. Eles eram do Paraná. Um físico e um matemático. Vieram para um congresso na cidade. Com três minutos de conversa eu tive vontade de ir embora. Aos cinco minutos, queria sair correndo. Um deles me perguntou o que eu fazia. Quando disse que era antropóloga, o mais magrinho perguntou: -- De que tipo de peixe?! Pior ainda foi a pergunta do outro: -- Vocês sabem o que é esse prédio enorme, cor-de-rosa, aí na praça?!!!! Céus. Eu quis sumir. Ninguém é obrigado a ter cultura geral; porém, esse tipo de ignorância revela um desinteresse pelo mundo à volta que me parece inadmissível. Levantei-me, a pretexto de pagar a conta, e fiquei conversando com os atendentes no balcão. Prosa muito mais interessante. Uma moça e um rapaz bem jovens e divertidos. Dali, sequestrei Vivi, sem dar tempo aos rapazes de dizer mais que “tchau” e “boa noite”. No caminho de volta para o hotel, Vivi teve uma crise de riso com meu estado de choque e indignação. Demos uma breve entrada na igreja de São Sebastião. Estava acontecendo uma reunião de oração. Ao entrarmos na igreja, uma música e uma voz muito suaves nos envolveram. Me senti tão bem! Acalmei meu espírito. Aproveitei para rezar um pouco.

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