Manaus, 01 de fevereiro
O clima em Manaus é absolutamente instável. Sei que em todo
o planeta o clima está meio doido e imprevisível, porém, aqui é demais. Euclides
da Cunha tinha razão, a sensação é de que a paisagem pode mudar a qualquer
instante. Quatro horas atrás fazia forte calor. Céu azul. Mas, com “sol de
chuva”, segundo seu Sabá. Explicou-me ele que quando a luz do sol está muito
branca e cortante, é sinal de que choverá mais adiante. O fato é que à tarde o
céu fechou repetinamente e a chuva caiu com vontade. Continua chovendo, porém,
com menos intensidade. Sentada à mesa de um café, à espera do jornalista que
devo entrevistar, sinto frio novamente. O ar que chega até a varanda onde me
encontro é úmido e gelado. Recorro à pashmina
que tem sido minha companheira inseparável, nas visitas a gabinetes e
escritórios invariavelmente congelantes. Tinha ouvido falar que todo mundo aqui
vive no ar condicionado 24 horas. O frio da rua é que me surpreende.
Aspas no meu idílio com Manaus: ausência de perfumes no ar!
Como é possível? Não há aromas de frutas, nem de flores, nem mesmo de comidas
saborosas, ou de terra e folhas molhadas. Nada. Manaus é uma cidade sem cheiro.
Confesso que isso me frustra. Talvez seja só a época do ano. As únicas frutas
locais que se vê nas barraquinhas de rua são a pupunha e a tucumã. Frutos de
palmeiras. Não rescendem. E sabem à raiz. São umas coisinhas muito sem graça,
insossinhas. Provei a pupunha domingo passado. Após o recital de piano, e o
tacacá frustrado, Vivi quis comer uma pizza. Voltamos ao bar onde havíamos
estado com Paulo, semana passada, lá mesmo no Largo de São Sebastião. O dono,
seu Rosendo, nos trouxe uma pupunha, para provarmos. Em termos de sabor, parece
mais um inhame, ou uma batata-doce sem o doce. Aliás, os manauaras comem esse
fruto com café, tal como fazemos em Pernambuco com o inhame. Mais uma fruta de aparência
enganosa. Ela é redondinha, com a casca bem vermelha. Você imagina que vai
morder uma carne suculenta e docinha, e não é nada disso. É preciso descascá-la
e cortá-la em lascas, pois a polpa é firme e “massuda” como a da batata-doce.
História hilária, não registrada antes. Quando estávamos
nesse barzinho, começou a chover. Todo mundo que estava nas mesinhas de fora
correu pra se abrigar dentro da casa. Eu e Vivi fomos rápidas e conseguimos uma
mesa dentro. Quando ela estava terminando de comer a pizza (eu estava saciada
com minha pipoca e meu algodão-doce), dois homens se aproximaram e pediram para
apoiar os copos de cerveja na nossa mesa. Claro que permitimos, e eu ainda lhes
ofereci a metade da pizza, que Vivi não comeria mais. Entabulamos uma conversa.
Eles eram do Paraná. Um físico e um matemático. Vieram para um congresso na
cidade. Com três minutos de conversa eu tive vontade de ir embora. Aos cinco
minutos, queria sair correndo. Um deles me perguntou o que eu fazia. Quando
disse que era antropóloga, o mais magrinho perguntou: -- De que tipo de peixe?!
Pior ainda foi a pergunta do outro: -- Vocês sabem o que é esse prédio enorme,
cor-de-rosa, aí na praça?!!!! Céus. Eu quis sumir. Ninguém é obrigado a ter
cultura geral; porém, esse tipo de ignorância revela um desinteresse pelo mundo
à volta que me parece inadmissível. Levantei-me, a pretexto de pagar a conta, e
fiquei conversando com os atendentes no balcão. Prosa muito mais interessante.
Uma moça e um rapaz bem jovens e divertidos. Dali, sequestrei Vivi, sem dar
tempo aos rapazes de dizer mais que “tchau” e “boa noite”. No caminho de volta
para o hotel, Vivi teve uma crise de riso com meu estado de choque e
indignação. Demos uma breve entrada na igreja de São Sebastião. Estava
acontecendo uma reunião de oração. Ao entrarmos na igreja, uma música e uma voz
muito suaves nos envolveram. Me senti tão bem! Acalmei meu espírito. Aproveitei
para rezar um pouco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário