É indiscutível que o Brasil vive um momento de grande
mobilidade social. A Nova Classe C é cada vez mais numerosa e, por que não
dizer, ruidosa. Nesse processo de ascensão social, diminuem as desigualdades e
acontece um salutar movimento de democratização do acesso a bens culturais.
Basta ir a qualquer complexo de cinemas, numa segunda-feira de promoção para constatar
que a sétima arte, projetada na grande tela, também vai conquistando novo
público. É claro que isso é maravilhoso. No entanto, há uma contrapartida
espinhosa. E sei bem que não faltará quem me chame de elitista, aristocrata,
reacionária e assemelhados. Mas, alguém precisa falar da importância de se educar
esse novo público.
Ir ao cinema tem se tornado uma experiência irritante.
Sempre tem alguém que acredita estar na sala de casa, ou numa feira, ou num
barzinho com amigos. Conversa-se em voz alta, comenta-se o filme o tempo todo,
e fala-se ao celular com a maior sem-cerimônia. E se você, que pagou o ingresso
para assistir ao filme no escuro e em silêncio (se quisesse os comentários
não-autorizados você teria ficado em casa, com sua mãe), for reclamar, pode ser
pior. Corre sério risco de ouvir desaforos ou ter de escutar risadinhas frouxas
por todo o restante da sessão. No teatro, acontece fenômeno semelhante. Alguns
meses atrás, no Santa Isabel, uma companhia mineira apresentava admirável encenação
da peça de Nelson Rodrigues, A mulher sem
pecado. No camarote do terceiro andar, à esquerda do palco, um grupo de
pessoas ria, tecia comentários em voz alta e até gritava para os atores,
pensando ser natural interagir com estes, como se estivessem numa sessão de
circo. A culpa não é delas, certamente. Faltou quem as advertisse sobre o inadequado
de tal comportamento.
Mês passado, no mesmo Santa Isabel, os belos acordes dos
instrumentos da Orquestra Sinfônica do Recife tiveram de dividir o espaço
sonoro com conversinhas, risos, toques de celular e “psius”. Sou pernambucana
até a raiz da alma, portanto, me sinto em plena liberdade para tecer
comentários comparativos. Nosso público tem um longo caminho a percorrer. Basta
assistir a um concerto na Sala São Paulo,
para perceber a diferença de comportamento da platéia. Tal como em todas as
salas de concerto européias ou norteamericanas, o silêncio na Sala
São Paulo, antes e durante uma apresentação é sepulcral. Quando a orquestra
toca só se escutam seus acordes, quando não está tocando, se uma pena cair no
chão, será ouvida. Ninguém nem sequer sussurra, celulares jamais tocam ou
vibram, pessoas não trocam de lugar, não se escutam cadeiras rangendo, nem
papéis de confeito sendo abertos. Reina, sempre, o mais respeitoso silêncio.
Respeito que não se dirige apenas ao trabalho dos profissionais no palco, mas à
própria música. Obviamente, não se pode esperar de quem não foi ensinado, que
se comporte exemplarmente numa sala de concerto. Por isso, seria muito
bem-vindo um trabalho de educação das nossas platéias. As pessoas precisam
aprender que o barulho – por mínimo que pareça -- fere o direito dos demais a
fruir a boa música. Também não faria mal adverti-las de que aplausos só são
adequados quando uma peça é finalizada, e nunca entre os movimentos. Quem sabe
um pequeno panfleto, com regras de bom tom, entregue juntamente com o programa
da noite.
Estou falando sério. Esse trabalho pedagógico bem merece ser
iniciado de imediato. E deve ser estendido a outros tipos de apresentação em locais
fechados, sejam teatros em geral ou salas de cinema. Neste caso, aqueles
filminhos que mostram as saídas de incêndio e pedem o desligamento dos
celulares, poderiam ganhar mais ênfase nesse último aspecto e incluir algo
como: não converse com seus vizinhos;
cinema não é lugar de conversa; respeite o direito dos outros ao silêncio. Aliás,
é bem isso mesmo. Precisamos de uma grande campanha pelo direito dos outros ao
silêncio. Se desejarmos a consolidação do Recife como um centro cultural de
excelência, nosso percurso passa pela educação do público, logo, pela disseminação
dessa regrinha básica de civilidade: no cinema, no teatro ou numa sala de
música, o silêncio é de ouro.
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