quarta-feira, 9 de maio de 2012

O silêncio é de ouro


É indiscutível que o Brasil vive um momento de grande mobilidade social. A Nova Classe C é cada vez mais numerosa e, por que não dizer, ruidosa. Nesse processo de ascensão social, diminuem as desigualdades e acontece um salutar movimento de democratização do acesso a bens culturais. Basta ir a qualquer complexo de cinemas, numa segunda-feira de promoção para constatar que a sétima arte, projetada na grande tela, também vai conquistando novo público. É claro que isso é maravilhoso. No entanto, há uma contrapartida espinhosa. E sei bem que não faltará quem me chame de elitista, aristocrata, reacionária e assemelhados. Mas, alguém precisa falar da importância de se educar esse novo público.
Ir ao cinema tem se tornado uma experiência irritante. Sempre tem alguém que acredita estar na sala de casa, ou numa feira, ou num barzinho com amigos. Conversa-se em voz alta, comenta-se o filme o tempo todo, e fala-se ao celular com a maior sem-cerimônia. E se você, que pagou o ingresso para assistir ao filme no escuro e em silêncio (se quisesse os comentários não-autorizados você teria ficado em casa, com sua mãe), for reclamar, pode ser pior. Corre sério risco de ouvir desaforos ou ter de escutar risadinhas frouxas por todo o restante da sessão. No teatro, acontece fenômeno semelhante. Alguns meses atrás, no Santa Isabel, uma companhia mineira apresentava admirável encenação da peça de Nelson Rodrigues, A mulher sem pecado. No camarote do terceiro andar, à esquerda do palco, um grupo de pessoas ria, tecia comentários em voz alta e até gritava para os atores, pensando ser natural interagir com estes, como se estivessem numa sessão de circo. A culpa não é delas, certamente. Faltou quem as advertisse sobre o inadequado de tal comportamento.
Mês passado, no mesmo Santa Isabel, os belos acordes dos instrumentos da Orquestra Sinfônica do Recife tiveram de dividir o espaço sonoro com conversinhas, risos, toques de celular e “psius”. Sou pernambucana até a raiz da alma, portanto, me sinto em plena liberdade para tecer comentários comparativos. Nosso público tem um longo caminho a percorrer. Basta assistir a um concerto na Sala São Paulo, para perceber a diferença de comportamento da platéia. Tal como em todas as salas de concerto européias ou norteamericanas, o silêncio  na Sala São Paulo, antes e durante uma apresentação é sepulcral. Quando a orquestra toca só se escutam seus acordes, quando não está tocando, se uma pena cair no chão, será ouvida. Ninguém nem sequer sussurra, celulares jamais tocam ou vibram, pessoas não trocam de lugar, não se escutam cadeiras rangendo, nem papéis de confeito sendo abertos. Reina, sempre, o mais respeitoso silêncio. Respeito que não se dirige apenas ao trabalho dos profissionais no palco, mas à própria música. Obviamente, não se pode esperar de quem não foi ensinado, que se comporte exemplarmente numa sala de concerto. Por isso, seria muito bem-vindo um trabalho de educação das nossas platéias. As pessoas precisam aprender que o barulho – por mínimo que pareça -- fere o direito dos demais a fruir a boa música. Também não faria mal adverti-las de que aplausos só são adequados quando uma peça é finalizada, e nunca entre os movimentos. Quem sabe um pequeno panfleto, com regras de bom tom, entregue juntamente com o programa da noite.
Estou falando sério. Esse trabalho pedagógico bem merece ser iniciado de imediato. E deve ser estendido a outros tipos de apresentação em locais fechados, sejam teatros em geral ou salas de cinema. Neste caso, aqueles filminhos que mostram as saídas de incêndio e pedem o desligamento dos celulares, poderiam ganhar mais ênfase nesse último aspecto e incluir algo como: não converse com seus vizinhos; cinema não é lugar de conversa; respeite o direito dos outros ao silêncio. Aliás, é bem isso mesmo. Precisamos de uma grande campanha pelo direito dos outros ao silêncio. Se desejarmos a consolidação do Recife como um centro cultural de excelência, nosso percurso passa pela educação do público, logo, pela disseminação dessa regrinha básica de civilidade: no cinema, no teatro ou numa sala de música, o silêncio é de ouro.

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