domingo, 17 de abril de 2016

Os Cinco Cegos e o Elefante

Minha Amiga, Querida! Saudades suas! De verdade.
E então. Existe uma lenda antiga na Índia -- que meu pai costumava me contar – e narra a história de cinco cegos de nascença aos quais se pediu que descrevessem um elefante. Como é um bicho muito grande, cada um deles se agarrou com uma parte diferente do paquiderme. Um assegurava que um elefante é um bicho fino e peludo na ponta (rabo). O outro teimava que um elefante é muuuito grosso, duro e pesado (perna). O terceiro cego bradava que elefante é um animal todo molengo e comprido (tromba)... e por aí vai. O fato é que toda Verdade tem vários lados, depende da perspectiva de que você olha. E a graça da Vida tá nessa pluralidade, né, não?
Não quero entrar em pendenga com você. Respeito sua posição e posso imaginar que você teve com a minha postagem sobre as manifestações desse domingo a mesma surpresa que eu tive quando vi a foto de Lula no seu perfil: Ôxe, como pode? (Minha Amiga tão inteligente!...) Mas minha surpresa durou apenas alguns segundos. Logo me lembrei da lenda do elefante e pensei com meus botões que cada um tem suas convicções, seus valores, sua visão de mundo. Serenei. Dessa serenidade, no entanto, brotou uma nostalgia. E eis que seu comentário me levou de volta aos nossos tempos de UFPE. Fiquei me lembrando da gente, na frente do CFCH, pintando aquela faixa comprida, pra passeata pelo Impeachment de Collor... e como um fio puxa outro, me lembrei -- com uma suave tristeza -- de como naquela época eu andava de broche de estrela do PT. Eu tinha também um Lulinha, de camisa vermelha e calça preta. Ficavam os dois, Lula e o PT, estampados no meu peito. Um orgulho danado. Foram quase 20 anos da minha vida, acreditando no sonho de que o PT mudaria o jeito de governar o Brasil, de fazer política. Lembrei da gente nas ruas, de cara pintada, esbravejando contra o Presidente Fernando Collor. Um Fiat Elba e uma reforma no jardim da Casa da Dinda eram os símbolos do governo corrupto que decidimos não tolerar mais. Ainda seguindo o fio da meada, recordei com nitidez dos oito anos em que esbravejei contra o “neoliberal” Governo Fernando Henrique, desejando que ele ardesse no fogo do Inferno por todo o mal que eu, naquela altura, achava que ele estava fazendo ao povo brasileiro.
Quando Lula foi eleito – finalmente!!! --, eu não estava no Brasil. Mas acompanhei, na casa de Zé, a apuração. Jamais esquecerei a alegria transbordante, intensa, o choro de emoção. Nunca havia desejado tanto estar no Brasil, como naquele dia. Afirmei que aquele era um dos dias mais felizes da minha vida e que se fosse possível, eu negociaria fácil, com Deus, alguns anos da minha existência por uns poucos minutos no Brasil, naquele dia, naquele momento! Todo o meu desejo se resumia em me misturar à multidão vermelha que tomava as ruas, e comemorar junto com a galera a realização de um dos meus maiores sonhos. Ironicamente, treze anos depois, neste 13 de março, eu teria dado tudo, novamente, para estar no Brasil, ocupando as ruas com meu grito de BASTA; declarando, uma vez mais, meu desejo de ter um Brasil ético e decente, o que, infelizmente, se mostrou incompatível com Lula e o PT. 
Querida Amiga, já passei por muitas fases no meu processo de desilusão e desencanto (que começou com o Mensalão). Já tive uma raiva imensa, que me corroía a alma e me tirava o equilíbrio. Até uns quatro anos atrás, eu não conseguia nem falar no assunto PT sem acabar em lágrimas. Não conseguia perdoar Lula por ele ter roubado não apenas meu sonho, mas minha ESPERANÇA de um governo diferente de tudo aquilo que as elites sacanas haviam feito com o país durante quinhentos anos. Felizmente, não há nada como o tempo para curar feridas e ensinar lições. 
Hoje, me libertei daquela raiva que me envenenava. E me dei conta de que nem tudo foi perda. Ganhei algo de muito precioso. Graças a Lula e ao PT conquistei uma lucidez cristalina sobre o Brasil, abandonei posições dogmáticas, fui capaz de rever paradigmas e pude, assim, reconstruir minha Esperança. Já não tenho uma Esperança cega e ingênua. Hoje, habita meu peito uma Esperança bem mais modesta e realista, e também mais determinada. 
Você olha para os milhões de pessoas que foram às ruas no domingo e enxerga apenas Bolsonaro, Malafaia e a ameaça de fascismo. Eu olho e vejo milhões de pessoas bem intencionadas, que foram às ruas para reclamar de volta o país que lhes pertence e foi sequestrado por criminosos de colarinho branco, infelizmente muitos deles filiados ao PT, ainda que não só. Vejo milhões de pessoas que se recusam a aceitar máximas cínicas e pueris, de que “todos roubam”, “os tucanos também roubaram”, “corrupção sempre existiu no Brasil”. Vejo milhões de pessoas que reivindicam o direito de serem governadas com um mínimo de Decência, Verdade e Ética. Entre esses milhões de pessoas há, certamente, Bolsonaros, Malafaias e fascistas. Faz parte de uma sociedade plural e democrática. Democracia para mim é justamente as pessoas poderem se expressar livremente e se organizarem para defender seus projetos de sociedade. Eu não queria ter sido governada por Lula em um segundo mandato. Fiquei arrasada quando Dilma se elegeu, e tive vontade de desaparecer da face da Terra quando ela se reelegeu -- usando pesadamente a máquina estatal e gastando rios de dinheiro com um mago da Propaganda, que não fez outra coisa a não ser vender deslavadas mentiras para enganar e amedrontar os eleitores. No entanto, aturei todos esses governos porque fui voto vencido nas urnas.
Agora, estamos descobrindo que no caso do segundo mandato de Dilma o cenário é diferente. Avolumam-se provas de que um gigantesco esquema de corrupção operou nos governos petistas, desviando bilhões de reais dos cofres públicos. Sou contra o Impeachment (por entender que o PMDB é feito de bandidos ainda mais bandidos que o PT). Mas espero ansiosamente pela cassação do mandato dela pelo TSE. Na minha perspectiva, inclusive, Dilma já deveria perder o mandato por crime de estelionato eleitoral. Só que há evidências muito mais graves, de que sua campanha milionária foi financiada com o dinheiro público, roubado descaradamente, ao longo dos últimos 13 anos, pelo Partido que está no Poder. Nada vai mudar isso, Minha Querida. Os fatos não se dobram à nossa vontade, nem aos nossos ideais. Com toda a sinceridade, como eu gostaria que tudo não passasse de uma armação da elite! Como eu gostaria que fosse tudo mentira e invenção das forças conservadoras desse país! Seria tão mais fácil, tão menos doloroso. 
Até que FATOS me mostrem o contrário, só posso esperar que Dilma se despeça do Planalto. E que sejam convocadas novas eleições. Eleições cujo resultado é imprevisível, porque a rejeição aos tucanos é hoje quase tão grande quanto aquela aos petistas. Pode até ser que um Malafaia ou um Bolsonaro se elejam Presidente da República. Tudo é possível. Estamos numa Democracia. Se essa for a vontade da maioria, expressa nas urnas, não terei outro remédio a não ser me conformar e esperar mais quatro anos, embora me disponha a militar ferrenhamente para que um futuro tão tenebroso não se realize. Lutaria contra esses segmentos retrógrados com o mesmo ímpeto com que um dia, na minha juventude, lutei para que Lula chegasse à Presidência da República.
Mas, como tentei dizer à minha irmã, que evocou argumentos semelhantes aos seus, as manifestações de domingo não foram declarações A FAVOR de nenhum político ou em prol de um futuro governo. Foram declarações CONTRA o status quo (ironicamente). E Sérgio Moro não é um herói nacional. Ele está simplesmente encarnando a Esperança de um caminho distinto para o Brasil. Os políticos nos dizem que a corrupção é atávica. Sérgio Moro (como figura simbólica) nos diz que existe uma escolha. 
Onde você vê o perigo do fascismo, eu enxergo um GRITO DE LIBERDADE. O Brasil reivindica o direito de tentar trilhar o caminho da Decência, da Ética, da Verdade (do mesmo modo que fez quando derrubou Collor). O PT nos havia roubado esse sonho. Estamos descobrindo que podemos reconquistá-lo.
Você já deve ter até desistido da leitura dessa longuíssima resposta. Sinto muito. Nunca consegui ser uma pessoa concisa. Além disso, estando longe do Brasil nesse momento tão importante, escrever tem sido minha forma de estar presente. Tem sido o meu front na luta pela Democracia e pelo Brasil, que amo profundamente. Voltarei à terrinha em breve, e pretendo ser ainda mais ferrenha na defesa do país democrático, justo e ético, que eu desejo e MEREÇO ter. Mais uma vez, vá desculpando a eloquência. Acaba que seu comentário despertou em mim memórias e sentimentos profundos. Senti a necessidade de lhe responder de maneira completa, sincera e transparente. Se é que você teve a disposição de chegar até aqui, lhe peço que me perdoe se fui indelicada ou se feri sua suscetibilidade em algum momento. Tentei me expressar com o máximo de ternura possível, sem abrir mão da minha própria Verdade.
Um beijo carinhoso no seu coração,
Val

Nenhum comentário:

Postar um comentário