sexta-feira, 22 de abril de 2016

Do capítulo das negativas OU E nós?


18/4/16
Não. Não é alegria o que sinto hoje. Não foi alegria o que senti ontem à noite, quando o deputado pernambucano Bruno Araújo declarou o “Sim” de número 342.
Simplesmente, não consegui me sintonizar com a euforia da multidão que se abraçava e celebrava, com palavras de ordem, o princípio do fim do Governo Dilma e da Era Petista. Eu não tinha um grito de “urra” contido na garganta. Só consegui somar a minha voz à da multidão na hora do Hino Nacional, mas tenho certeza de que cantei fora do tom, porque meu sentimento, minha vibração eram muito diversos. Cantei o Amor pelo meu país, e cantei minha tristeza diante de tudo que presenciei nessa noite histórica.
Na realidade, já amanheci ontem com um profundo sentimento de tristeza. Estava convencida de que o pedido de Impeachment seria aprovado pela Câmara dos Deputados. Fui pra rua por coerência; com meus valores, com meu Amor pelo Brasil e com minha própria trajetória. Talvez também tenha me movido um certo sentimento de culpa. Como participante ativa do processo político nacional, nas últimas três décadas, sinto-me responsável pela chegada do PT ao Poder. Dediquei muitos anos da minha vida, das minhas energias, da minha capacidade e capital intelectual para contribuir com a ascensão das “forças progressistas” ao topo da política nacional.
O ano era o de 1992. Recém ingressada na faculdade de Ciências Sociais, pintei a cara e ocupei as ruas, levantei faixas e cartazes, pedindo o Impeachment do presidente Fernando Collor. Meu coração, naquela altura, pertencia ao PT, que foi, talvez, o principal protagonista daquele processo de Impedimento do primeiro presidente da República eleito pelo voto direto, após duas décadas de Ditadura (ali, sim, fazia sentido estarmos preocupados com a fragilidade da nossa Democracia). Havia indícios claros de envolvimento do presidente em um esquema de corrupção. E Fernando Collor foi apeado do Poder com base apenas nisso: indícios. Em virtude de um trabalho capenga do Ministério Público, seus crimes nunca ficaram comprovados, a ponto de o Supremo Tribunal Federal ter de inocentá-lo. Mas isso não tinha nenhuma importância para nós, nem para o processo de Impeachment, que, tal como agora, foi essencialmente político. Collor já não tinha condições de governar o país. Isolado politicamente por sua “arrogância” e “ganância” (Mais alguém se lembra que essa foi leitura amplamente dominante à época? Dizia-se que ele “quis roubar sozinho”), e sem apoio popular, em virtude das suas diabruras econômicas, o desfecho do processo de Impeachment era inevitável.
Nós, caras-pintadas, nos aferramos aos indícios apontados no pedido de Impedimento e fizemos do “Fora Collor” um movimento anti-corrupção. O PT encarnava justamente essa bandeira. Para mim, pessoalmente, o PT representava muito mais que a Esperança de um Brasil mais Justo, ele era O caminho, que me parecia real, para a ruptura com a nossa cultura patrimonialista, para a disseminação de práticas políticas efetivamente republicanas. Eu sonhava com um Brasil onde a Integridade, a Decência e o compromisso com o Interesse Público fossem a regra, e a corrupção, o privilégio, a desfaçatez, a manipulação, a República dos Amigos fossem a exceção. E o meu sonho tinha cara, tinha cor e tinha nome: PT e Luiz Inácio Lula da Silva.
17 de abril de 2016. Ironicamente, o partido que protagonizou o bem-sucedido movimento “Fora Collor”, e que durante oito anos fez ecoar, debalde, o grito “Fora FHC”, se viu novamente protagonista de um processo de Impeachment, só que como réu. Desta feita, o processo de Impedimento está embasado em crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária. Crimes efetivamente competidos pela presidente (dizer que outros cometeram os mesmos crimes e não foram punidos, não muda o fato de que os crimes foram cometidos). Além disso, ao contrário do que dizem seus defensores, pesam, SIM, sobre a presidente indícios fortíssimos de beneficiamento do esquema de corrupção que sangrou os cofres da Petrobras. Suas campanhas milionárias foram abastecidas pelos cofres públicos.
(E eu me pergunto: Será que alguém realmente compra, de coração e de boa fé, o argumento de que a presidente não cometeu crime contra a nação simplesmente porque esse dinheiro não foi parar na conta pessoal dela???!!! Ou de que ela não tem responsabilidade sobre os bilhões desviados pelos seus subordinados mais próximos?)
Os crimes de corrupção não estavam diretamente em julgamento no caso do processo de Impeachment votado ontem na Câmara dos Deputados. No entanto, é inegável que eles constituíram o combustível principal do apoio popular ao afastamento da presidente e ao Fora PT, juntamente com a constatação de que Dilma mentiu da maneira mais acintosa para garantir sua reeleição.
E é por isso mesmo que meu sentimento é de tristeza. Eu brinco com meus amigos que sou uma viúva do PT. No meu processo de luto, já passei por todas as fases, e estou, creio eu, na quinta. Demorei-me, longamente, na fase da raiva. Passei anos visceralmente magoada com o PT (superei a fase da negação ao longo do processo do Mensalão). Eu simplesmente não conseguia perdoar o PT e Lula por terem destruído meus sonhos e minha Esperança, e achava que jamais seria capaz de perdoá-los por terem chancelado, com todo o seu capital simbólico, as práticas políticas mais nefastas que podem existir. Hoje, minha raiva passou. Cheguei à fase da aceitação. Adquiri a serenidade que me permite olhar para a realidade brasileira com serenidade. Recuperei minha capacidade de sonhar e reconstruí minha Esperança.
Mas ontem fiquei triste. No exato momento em que vi Bruno Araújo, empunhando a bandeira do meu amado Pernambuco, proferir o voto que selou o destino do Governo Dilma, não pude evitar o sentimento de profunda desilusão. Por alguns segundos, um filme rodou na minha cabeça. Me vi de estrela do PT no peito, me vi fiscalizando a contagem de votos na zona eleitoral e brigando para que qualquer garrancho fosse computado a favor de Lula (na época em que o voto ainda era no papel), me vi fazendo boca de urna pro PT, e nas ruas pelo Fora Collor, e praguejando contra o “neoliberal” governo FHC (inclusive brigando com meu pai a ponto de ir à lágrimas), e comemorando a eleição de Lula como se fosse o dia mais feliz da minha vida...
Como pude me enganar tanto? O que foi que me recusei a enxergar? Em que momento do caminho o PT se perdeu? Será que Lula nunca foi nada além de uma farsa? Como pode um sonho tão bonito acabar assim, de maneira tão vergonhosa?
Essas foram as perguntas com as quais me debati na noite de ontem, cercada pela multidão eufórica. Para completar, como todos os brasileiros, tive de assistir ao circo dos horrores em que se transformou nossa Câmara dos Deputados.
Como posso me alegrar quando olho para o país e o que vejo é um cenário de terra arrasada? Temos um Congresso que deu provas cabais e patéticas, ontem, de que não está à altura do momento que vivemos (ainda se pode esperar que o Senado seja um pouco mais digno). Temos um presidencialismo corrompido até a “alma”. Temos uma economia em frangalhos, e uma situação fiscal quase calamitosa. Até pelo menos 2080 estaremos pagando a conta salgadíssima das irresponsabilidades fiscais dos governos Lula e Dilma. Nos próximos dias teremos um presidente da República sem nenhuma legitimidade. E não temos uma única liderança política capaz de apontar caminhos para o país, com destemor e sem condicionamento a interesses próprios.
Feito esse desabafo, afirmo que precisamos continuar acreditando no Brasil. A hora é grave. Os desafios são imensos. E desta feita não temos salvador da pátria (o que, aliás, pode ser bastante pedagógico). Só podemos contar conosco mesmos. É a hora de nós, cidadãos comuns, fazermos a diferença. Se cruzarmos os braços e abandonarmos as ruas, um desastre ainda maior será inevitável. Esse é o momento para discutirmos os próximos passos! Precisamos ter clareza do rumo para onde desejamos caminhar. Precisamos continuar pressionando pela continuidade da Lava-Jato (o Governo Temer pode, sim, tentar agir para coibir novas investigações). Precisamos pressionar para que o braço da Lei chegue a todos, independentemente da filiação partidária! Precisamos discutir e defender uma reforma política profunda, que nos permita atacar na raiz os males desse presidencialismo de coalizão, e a promiscuidade generalizada que vivemos hoje entre o público e o privado.
É claro que demos um passo importante ontem. Foi um dia triste, porém, necessário. A mudança precisava começar pelo Palácio do Planalto. Ela não pode é parar por aí. A Câmara dos Deputados mostrou que não está à altura do país. E nós?

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