sexta-feira, 22 de abril de 2016

Inteligência e Amor


19/4/16

Dada a gravidade do momento vivido pelo Brasil, creio que as pessoas inteligentes e preparadas têm a obrigação – cívica -- de elevar esse debate acima dos clichês, do senso comum e, principalmente, das retóricas fáceis e falaciosas.
Fico tão perplexa com posts que andam circulando por aí, que estou me transformando em uma “patrulheira de falácias”. Do fundo do coração, não é o meu Ser Moral que se sente agredido quando alguém acusa os pro Impeachment (como eu) de serem “reacionários”, “golpistas”, “coxinhas”, “burgueses”, “cegos”, “burros”, “alienados”, “torturadores” ou coisas do gênero. Sei quem eu sou, portanto, esses impropérios, mesmo quando saem da pena de pessoas queridas, não causam nem a mais leve comoção no meu espírito. É a minha Inteligência que se sente frequentemente agredida. O problema é que, quase invariavelmente, esses qualificativos resultam de raciocínios rasos, e se amparam em argumentos flagrantemente falaciosos. Aí eu não “guento”. Minha Inteligência esperneia e eu praticamente não consigo controlar meu ímpeto de publicar uma resposta que possa, eventualmente, levar as pessoas a usarem seus neurônios (é beeeem mais simples usar clichês e propagar ideias prontas).
Num dos muitos tour de force da retórica contra Impeachment, propaga-se o argumento de que no campo de batalha da “guerra do Impeachment” só há duas trincheiras. A dos “Bons”, que estão peleando pela Democracia, e têm ao seu lado figuras probas e admiradas da intelectualidade e das artes nacionais (já circulou até mural com as fotos dessas figuras), e a dos “Maus”, nós, membros da burguesia reacionária, que estaríamos “na companhia” de Michel Temer, Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. 
Daí, quando você reage e faz o emissor desse tipo de mensagem enxergar você como indivíduo (não sei se com algum nível de constrangimento ou não, a criatura é obrigada a se lembrar que você é, sim, uma pessoa de Bem), ela lhe ameaça com o poderoso julgamento da História. Afinal, quem gostaria de entrar para a História como “aliado” dos Cunhas e Bolsonaros da vida... 
Pois é. Vejamos o que a História pode nos ensinar a esse respeito. Vou citar só um exemplo, que me ocorreu de imediato.
Gandhi é a figura mais emblemática e celebrada do longo movimento pela Independência da Índia. No entanto, foram muitos os atores daquele processo. Tinha gente que matava, tinha gente que explodia bomba na cabeça alheia e tinha gente que defendia o Amor como único caminho para a luta. Na grande colcha de retalhos que foi essa luta contra o poderoso Império Britânico, teve um sujeito -- tido, na Índia, como um dos heróis desse processo, juntamente com Gandhi e Nehru – que, no período da Segunda Guerra, firmou uma aliança com os Nazistas alemães e com o (à época) crudelíssimo Japão Imperialista, e contou com a ajuda deles para enfrentar a Inglaterra (ajuda que chegou ao campo de batalha). 
Embora tenham lutado juntos inicialmente, Gandhi afastou-se de Chandra Bose justamente por discordar das atitudes e valores deste. E cada um, de acordo com seus princípios e sua visão de mundo, permaneceu combatendo pela mesma causa da Independência da Índia. A historiografia acabou relegando Bose a um segundo plano, ao passo que Gandhi se transformou num ícone mundial, associado aos mais elevados valores éticos e políticos. Com esse exemplo, quero chamar a atenção para o fato de que UMA GUERRA PODE TER APENAS DOIS LADOS, MAS MUITAS TRINCHEIRAS. 
Como eu disse no início, essa retórica falaciosa não me ofende, apenas me instiga. Porém, devo confessar que uma coisa me entristece. Implícito nesse raciocínio de que apoiar o Impeachment é igual a alinhar-se a Bolsonaro, Temer e Cunha está um cerceamento da minha LIBERDADE de escolha. Pressupõe que eu não posso escolher, LIVREMENTE, E DE ACORDO COM A MINHA PRÓPRIA CONSCIÊNCIA, que caminho eu, a cidadã Valéria, considero mais adequado para o meu país. De acordo com essa lógica, se eu fosse uma pessoa “decente” teria de alinhar-me automaticamente contra a posição de Bolsonaro (ou Temer ou Cunha), o que, no limite, significaria que essas figuras desprezíveis estariam fazendo escolhas por mim.
Será que posso chamar isso de autoritarismo moral???!!!

Felizmente, Gandhi me conforta e me livra da ameaça desse terrível julgamento da História: “A glória dos bons está na sua própria consciência e não na boca dos outros”.

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