19/4/16
Dada a gravidade do
momento vivido pelo Brasil, creio que as pessoas inteligentes e preparadas têm
a obrigação – cívica -- de elevar esse debate acima dos clichês, do senso comum
e, principalmente, das retóricas fáceis e falaciosas.
Fico tão
perplexa com posts que andam circulando por aí, que estou me transformando em
uma “patrulheira de falácias”. Do fundo do coração, não é o meu Ser Moral que
se sente agredido quando alguém acusa os pro Impeachment (como eu) de serem
“reacionários”, “golpistas”, “coxinhas”, “burgueses”, “cegos”, “burros”,
“alienados”, “torturadores” ou coisas do gênero. Sei quem eu sou, portanto,
esses impropérios, mesmo quando saem da pena de pessoas queridas, não causam
nem a mais leve comoção no meu espírito. É a minha Inteligência que se sente
frequentemente agredida. O problema é que, quase invariavelmente, esses
qualificativos resultam de raciocínios rasos, e se amparam em argumentos
flagrantemente falaciosos. Aí eu não “guento”. Minha Inteligência esperneia e
eu praticamente não consigo controlar meu ímpeto de publicar uma resposta que
possa, eventualmente, levar as pessoas a usarem seus neurônios (é beeeem mais
simples usar clichês e propagar ideias prontas).
Num dos muitos tour
de force da retórica contra Impeachment, propaga-se o argumento de que no campo
de batalha da “guerra do Impeachment” só há duas trincheiras. A dos “Bons”, que
estão peleando pela Democracia, e têm ao seu lado figuras probas e admiradas da
intelectualidade e das artes nacionais (já circulou até mural com as fotos
dessas figuras), e a dos “Maus”, nós, membros da burguesia reacionária, que
estaríamos “na companhia” de Michel Temer, Eduardo Cunha e Jair
Bolsonaro.
Daí, quando você
reage e faz o emissor desse tipo de mensagem enxergar você como indivíduo (não
sei se com algum nível de constrangimento ou não, a criatura é obrigada a se
lembrar que você é, sim, uma pessoa de Bem), ela lhe ameaça com o poderoso
julgamento da História. Afinal, quem gostaria de entrar para a História como
“aliado” dos Cunhas e Bolsonaros da vida...
Pois é. Vejamos o que
a História pode nos ensinar a esse respeito. Vou citar só um exemplo, que me
ocorreu de imediato.
Gandhi é a figura
mais emblemática e celebrada do longo movimento pela Independência da Índia. No
entanto, foram muitos os atores daquele processo. Tinha gente que matava, tinha
gente que explodia bomba na cabeça alheia e tinha gente que defendia o Amor
como único caminho para a luta. Na grande colcha de retalhos que foi essa luta
contra o poderoso Império Britânico, teve um sujeito -- tido, na Índia, como um
dos heróis desse processo, juntamente com Gandhi e Nehru – que, no período da
Segunda Guerra, firmou uma aliança com os Nazistas alemães e com o (à época)
crudelíssimo Japão Imperialista, e contou com a ajuda deles para enfrentar a
Inglaterra (ajuda que chegou ao campo de batalha).
Embora tenham lutado
juntos inicialmente, Gandhi afastou-se de Chandra Bose justamente por discordar
das atitudes e valores deste. E cada um, de acordo com seus princípios e sua
visão de mundo, permaneceu combatendo pela mesma causa da Independência da
Índia. A historiografia acabou relegando Bose a um segundo plano, ao passo que
Gandhi se transformou num ícone mundial, associado aos mais elevados valores
éticos e políticos. Com esse exemplo, quero chamar a atenção para o fato de que
UMA GUERRA PODE TER APENAS DOIS LADOS, MAS MUITAS TRINCHEIRAS.
Como eu disse no
início, essa retórica falaciosa não me ofende, apenas me instiga. Porém, devo
confessar que uma coisa me entristece. Implícito nesse raciocínio de que apoiar
o Impeachment é igual a alinhar-se a Bolsonaro, Temer e Cunha está um
cerceamento da minha LIBERDADE de escolha. Pressupõe que eu não posso escolher,
LIVREMENTE, E DE ACORDO COM A MINHA PRÓPRIA CONSCIÊNCIA, que caminho eu, a
cidadã Valéria, considero mais adequado para o meu país. De acordo com essa
lógica, se eu fosse uma pessoa “decente” teria de alinhar-me automaticamente
contra a posição de Bolsonaro (ou Temer ou Cunha), o que, no limite,
significaria que essas figuras desprezíveis estariam fazendo escolhas por mim.
Será que posso chamar
isso de autoritarismo moral???!!!
Felizmente, Gandhi me
conforta e me livra da ameaça desse terrível julgamento da História: “A glória
dos bons está na sua própria consciência e não na boca dos outros”.
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