sexta-feira, 22 de abril de 2016

Não vai ter golpe. Vai ter Impeachment!


13/4/16

Creio entender razoavelmente bem as motivações daqueles que têm se posicionado contra o Impeachment da presidente Dilma. E refiro-me aqui às pessoas de Bem, inteligentes, esclarecidas e íntegras (obviamente não estou aludindo aos criminosos instalados em cargos públicos, nem àqueles abancados em instituições que vêm recebendo graciosa e abundantemente o dinheiro do contribuinte, os quais, por razões óbvias devem estar dispostos a matar ou morrer para não perderem os privilégios, facilidades, e a grana pesada com que vêm se locupletando há 13 anos). Entendo e uso de todo o meu bom-senso e de minha capacidade de ponderação para respeitar os posicionamentos de gente que sei ser muito séria. Reconheço que comungamos do mesmo desejo de ver o Brasil melhorar e, eventualmente, se tornar o país Justo e Decente com que sonhamos e pelo qual lutamos desde a mais tenra juventude. É nesse desejo comum que encontro o caminho para exercer minha empatia e respeitar o princípio tão democrático da Liberdade de Expressão.
No entanto, confesso que me espanta a puerilidade da argumentação em torno do “golpe”. Que o Governo Dilma e o PT encontrem nesse discurso esquemático e falacioso sua arma de resistência eu até compreendo. Afinal, faltam FATOS para contestar o MÉRITO das diversas acusações que pesam sobre as gestões petistas e seus expoentes máximos -- como mínimos também. O cardápio de erros e de crimes cometidos ao longo dos governos Lula e Dilma é tão amplo, que o cidadão tem ampla possibilidade de escolha para criticar, e razões de toda natureza para indignar-se.
Voltemos à questão do “golpe”. Passei os últimos dias lendo argumentos contra o Golpe e a favor do Impeachment, porque queria me pronunciar com mais propriedade. Li textos de coxinhas e mortadelas (embora esse epíteto pareça pouco adequado à elite intelectual e econômica de esquerda...). O que me saltou aos olhos (além da intransigência mútua), foi a total incoerência do argumento de que um processo de Impeachment devidamente fundamentado na Constituição, e na Lei 1.079, chancelado e monitorado pelo Supremo Tribunal Federal (cuja maioria de Ministros, diga-se de passagem, foi indicada pelos referidos presidentes petistas), seja chamado, com tamanha leviandade, de “golpe”.
Impeachment não é ruptura da Democracia, mas um de seus legítimos instrumentos!
É claro que deve ser um instrumento utilizado excepcionalmente. Por isso mesmo, dos 132 pedidos de Impeachment protocolados no Congresso Nacional desde o governo Collor (vários dos quais de autoria do PT), apenas 2 tiveram andamento. O marco legal da Democracia brasileira prevê que qualquer cidadão possa entrar com um pedido de Impedimento contra seu presidente, se entender que ele incorreu em crime de responsabilidade com relação a alguns itens (Art. 85 da CF), dentre os quais estão especificados: “a probidade na administração” e “a lei orçamentária”.
O processo de Impeachment que tirou o presidente Fernando Collor do Poder em 1992, utilizou-se desse mecanismo constitucional, fazendo referência ao Artigo 9º da Lei 1.079, que regulamenta o rito do Impeachment. Naquele caso, a fundamentação do pedido, aprovado pela Câmara em setembro daquele ano, foi a “falta de decôro do presidente para o exercício do cargo”. Para quem não se lembra exatamente dos fatos, uma CPI havia acusado o ex-presidente de receber cerca de 6 milhões de dólares de esquemas ilegais, operados por PC Farias (um troco diante dos bilhões em que anda só a conta da Petrobras). Observe-se que entre a primeira denúncia, apresentada por Pedro Collor, e o acolhimento do pedido de Impeachment pela Câmara, decorreram apenas 4 meses. Por sua vez, os indícios apresentados pelo próprio Ministério Público eram tão falhos, que ao ir para julgamento pelo STF, a acusação não conseguiu se sustentar, e Collor, como todos sabemos, foi absolvido. Outro detalhe do processo de Impeachment que muita gente parece interessada em esquecer: Ibsen Pinheiro, que presidia a Câmara dos Deputados à época, foi cassado dois anos depois, por envolvimento no escândalo dos Anões do Orçamento. E uma curiosidade ilustrativa: o dono do voto 342 a favor do Impeachment, justo aquele que definiu a votação e nos permitiu comemorar nas ruas, havia oferecido um jantar de apoio a Collor poucos dias antes da votação, e logo depois também teve seu mandato cassado.
Não me recordo de ter visto ninguém que hoje chama o processo de Impeachment de “golpe” defendendo a permanência de Collor no Poder em nome da Democracia....
O discurso do “golpe” até foi usado por Collor, porém não colou (perdão pelo trocadilho involuntário). E não colou simplesmente porque o processo foi legítimo e democrático, tão legítimo e democrático como o que vivenciamos neste momento. O processo de Impeachment é político?! Claro que é! Tem fundamentação legal, é legítimo E tem um claro componente político. Teve em 1992, tem agora e terá todas as vezes em que for acionado e tiver andamento. Se não fosse político, a Constituição e a Lei que o regulamenta não atribuiriam ao Congresso Nacional o papel de Juiz!
Qualquer processo de Impeachment só caminha quando se reúnem condições políticas para tanto. Essas condições foram criadas pelo próprio Governo Collor em 1992, e foram criadas de maneira contundente pelo Governo Dilma. Foi Dilma quem escolheu mentir deslavadamente para o eleitorado brasileiro em 2014, foi a presidente que tomou decisões econômicas desastrosas, que levaram a economia brasileira a regredir a patamares anteriores a 2013 (com perspectiva de recuperação apenas em 2021!), foi ela quem gerou a crise que por pouco não acaba com a Petrobras, foram suas escolhas que geraram a inflação e a recessão que estão jogando a “nova classe C” de volta à classe D. Foi a presidente Dilma quem decidiu ser no mínimo leniente com a roubalheira generalizada nas nossas estatais (ainda estou lhe conferindo o benefício da dúvida...). Portanto, foram suas ESCOLHAS que solaparam as bases da confiança da população no seu governo, em primeiríssimo lugar. Para piorar sua situação, decidiu ferir da maneira mais acintosa a Lei de Responsabilidade Fiscal, maquiando as contas públicas e recorrendo a mecanismos claramente tipificados como crimes de responsabilidade.
Logo, o Impeachment ora em curso é um PROCESSO perfeitamente legal (inclusive, a presidente tem a possibilidade real de ter o pedido de afastamento recusado), mas é, sobretudo, LEGÍTIMO, pois encontra respaldo no SENTIMENTO da grande maioria da população brasileira, que simplesmente NÃO CONFIA mais no seu governo. Uma crise de confiança do tamanho da que estamos vivendo é seríssima, e é, ela sim, perigosa para a Democracia.
Este é o momento em que o discurso do “golpismo” evocaria a “manipulação” da mídia conservadora, direitista, fascista. Aí eu me remeto à minha própria memória daqueles históricos dias de 1992. Eu fazia parte do Movimento Estudantil e me lembro de forma cristalina, como, num esforço de reflexão honesta, reconhecíamos, apenas entre nós, e à boca pequena, que “sem a Rede Globo” não teria havido o Impeachment de Collor. Pragmaticamente aceitávamos que o “monstro manipulador” tinha nos dado uma “mãozinha” estratégica. E intimamente nos alegrávamos com o fato de que, pelo menos naquele episódio, os interesses da “mídia fascista” coincidiam com os nossos. O que terá mudado exatamente de lá pra cá, além do fato de que antes o PT era Oposição e agora está abancado no Poder (como se fosse o quintal de sua casa, inclusive)?
Para fechar essa longuíssima reflexão, quero dizer que essa discussão jurídica sobre as tecnicalidades do pedido de Impeachment acolhido pela Câmara dos Deputados acaba por ser pouco relevante no processo em curso. Sempre haverá pareceres jurídicos muitíssimo bem fundamentados tanto para defender, como para atacar essa formulação específica do pedido de Impedimento (assinado por um petista histórico e respeitável como Hélio Bicudo). Lei não é matemática. Essa discussão seria infindável. As questões que deveríamos nos fazer para definir nosso posicionamento contra ou a favor do Impeachment são outras. Que país nós desejamos Ser? Que valores são mais importantes para nós? Qual é o recado que queremos dar para os políticos desse país? Já aceitamos mesmo a máxima de que todos roubam e não temos outra alternativa a não ser aceitarmos a corrupção generalizada (e nesse caso cada um escolhe o que considera ser o mal menor)? Acreditamos em algum valor mais elevado que o combate à Impunidade e à Irresponsabilidade dos gestores públicos?
O discurso do “golpismo” quer fazer parecer que os que estão lutando pela saída do PT do Poder também apoiam os criminosos das outras legendas. Isso simplesmente não é verdade. Como anda circulando nas redes, o cidadão comum, farto do cinismo e da roubalheira acintosa, não tem político de estimação. Não conheço ninguém que apoia o Impeachment de Dilma e está contente com o fato de ser Michel Temer a assumir a Presidência da República. Pelo contrário, vejo as pessoas preocupadas e dispostas a permanecerem vigilantes com o desenrolar dos fatos na sequência de um eventual Impeachment. Todos que eu vejo apoiando o Impeachment sabem muito bem que Eduardo Cunha e Renan Calheiros são criminosos de pedigree, e se sentem profundamente incomodados com o fato de essas figuras estarem no comando das duas Casas do Congresso. Porém, como diz minha irmã, você vai deixar de prestar queixa de um crime na delegacia porque você sabe que o delegado é corrupto? No momento da sua necessidade como cidadão, o delegado é um representante do Estado de Direito. Você presta a sua queixa, espera que o delegado cumpra sua função e prenda o bandido, e, se você for um cidadão comprometido com sua sociedade, dispondo de indícios consistentes, você pode e deve agir para que o sujeito que desempenha o papel de Autoridade sem ter condições morais para tanto venha a ser investigado e destituído de suas funções.
Espera-se que a seu tempo Cunha e Renan sejam compelidos a responder por seus crimes. Só que a gente caminha dando um passo de cada vez. O passo da vez é a saída da quadrilha que está instalada na Esplanada dos Ministérios. Como eu gostaria que essa quadrilha vestisse outras cores! Teria me poupado muitas lágrimas de desilusão. Infelizmente, a realidade costuma ser cruel. A quadrilha do momento se veste de vermelho e leva uma estrela no peito. A mesma estrela que durante décadas me fez alimentar a Esperança de um Brasil mais Justo e mais Decente.

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