quarta-feira, 14 de março de 2012

Diário de viagem: Manaus, parte 1

Recife,  25 de janeiro

Leio o que Euclides da Cunha escreveu sobre a Amazônia, em preparação para a minha própria viagem: “... o homem ali, é um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado nem querido – quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem [...] A floresta ostenta a mesma imperfeita grandeza...”
Desejo reconstruir minha relação com Manaus. Há cerca de 12 anos, quando estive por lá, achei a cidade feíssima, cinzenta, suja e confusa. Lembro-me, contudo, de ter achado as pessoas muito gentis. Na ocasião, assisti a um dos jogos da Copa em companhia do taxista que me atendia e sua esposa. O convite inesperado surgiu para não deixar-me solitária, em momento de euforia coletiva. Me levaram a uma barraquinha na orla do Rio Negro, onde havia uma televisão e pessoas sentadas às mesas, bebendo, como em todo lugar do Brasil. Foram de uma gentileza surpreendente e acolhedora! Fiquei enternecida. Após o jogo, fizemos um passeio pela cidade, com direito a provar uma profusão de frutas típicas. Perfumadíssimas e saborosas. Sabores que me encantaram. De toda a viagem, esse é o único momento que guardo com carinho na memória.
Segundo me dizem, Manaus mudou muito. Veremos se me parece menos desoladora. Me esforçarei para enxergar melhor as belezas. Leio Euclides, e levo comigo Milton Hatoum. Já iniciei a leitura de Órfãos do El Dorado. Bom livro, embora nada excepcional. Minha expectativa é de que a literatura resignifique Manaus para mim. Chegando lá, preciso descobrir os bons poetas da terra.
Em Euclides, diverte-me o desconforto que a natureza “imperfeita” lhe causa. Sua mente muito racionalista não lidava bem com essa realidade que a ciência não podia dominar, e mal conhecia, àquela época. A natureza portentosa, indomável, o deixava absolutamente desconfortável: “A volubilidade do do rio contagia o homem [...] o observador imóvel que lhe estacione às margens, sobressalteia-se, intermitentemente, diante das transfigurações inopinadas. Os cenários, invariáveis no espaço, transmudam-se no tempo [...] A adaptação exercita-se pelo nomadismo”.

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