segunda-feira, 19 de março de 2012

O século da Juventude


Acabo de ler um artigo absolutamente maravilhoso, da pena de Gustavo Krause. O título -- “As sobras do tempo” – já é um bom indício da delicadeza do texto. Não tenho a graça nem a verve poética do autor, portanto, não vou tentar parafrasear suas ideias. Aguarde-se a publicação do artigo. Gostaria, sim, de compartilhar um certo pesar diante da inabilidade dos nossos contemporâneos para lidar com o fato objetivo do envelhecimento. Entristece-me perceber a celeridade com que a velhice vai sendo socialmente desvalorizada. Aliás, uma ideia me assusta: passados alguns anos, talvez já ninguém saiba como ser velho. Quem sabe, inclusive, se em 20 ou 30 anos algum movimento organizado da Melhor Idade moverá uma ação cívil pública pedindo o recolhimento dos dicionários que tragam a definição de “velho” como: 1. Muito idoso. 2. Antigo. 3. Gasto pelo uso. 4. Experimentado, veterano. 5. Desusado, obsoleto. 6. Homem idoso. Pode parecer improvável, porém não é uma situação impossível. Como coletividade estamos desaprendendo a lidar com o passar do tempo. Vivemos o século da Juventude. Ninguém quer mais ser velho. No máximo, se aceita a condição de “passar” para a Terceira Idade, ooops, Melhor Idade. E isso só depois de lutar renhidamente contra tal passagem, lançando-se mão de todos os recursos que a cosmética, a medicina estética, a biotecnologia e os templos de narciso (i.e. academias de ginástica) colocam à nossa disposição.
Com frequência me pergunto aonde essa obsessão coletiva com a juventude e, moto contínuo, com a beleza, vai nos levar. Entristeço-me a cada vez que sou obrigada a contemplar rostos de senhoras (os senhores vão no mesmo caminho) completamente desfigurados pelos bisturis dos cirurgiões plásticos. Será que essas pessoas não estranham ao se olharem no espelho e não reconhecerem mais os traços daquilo que foram um dia? Pior. Não se dão conta de que vão ficando todas iguais umas às outras, o mesmo rosto plastificado, a mesma boca de Coringa? Eu mesma, às vezes vejo uma foto no jornal ou uma imagem de TV e fico confusa: trata-se de D. Marisa ou de Marta Suplicy? Essa situação me enche de calafrios. Por isso, já não sinto prazer em passear por lugares como Ipanema. O bairro continua lindíssimo. Porém, me dá a impressão de ter a maior concentração de plastificadas por metro quadrado do país. Também deve ser a maior concentração por metro quadrado de louras bronzeadas malhadíssimas, sem sombra de celulite. Esse tipo de contraste, então, me deixa ainda mais inquieta. Nada contra as beldades cariocas, entendo perfeitamente o fascínio dos homens pelas belas coxas e nádegas tugidíssimas, preocupa-me é o culto excessivo à beleza e à juventude.
Vivemos uma espécie de ditadura estética. Falta pouco para a feiúra e a velhice virarem uma espécie de “crime social”. Afinal, você pode até nascer feio, mas permanecer na condição de feiúra é um desleixo abominável. Idem com relação às marcas do tempo. Com tantos recursos à disposição, por que deixar no seu rosto e no seu corpo os sinais das paixões e dores vividas, das vitórias conquistadas, dos fracassos que te fortaleceram? Quem se interessa pela pessoa que você foi em dias passados?
Mais de duas décadas atrás, quando ainda era bem jovem e fazia um intercâmbio no interior da França, fui a um evento na biblioteca local ouvir dois músicos nigerianos falarem sobre instrumentos musicais em exposição. Foi uma tarde comovente. A alegria e a espontaneidade com que contavam histórias e discorriam sobre temas vários me deixou enlevada. Em dado momento, um deles começou a falar sobre como em seu país os velhos eram tratados de um modo muito distinto do ocidental. Os velhos, dizia ele, eram as figuras mais preciosas de suas comunidades. Tanto, que uma das brincadeiras preferidas das crianças de suas aldeias era imitá-los. Aquele homem alto, forte e viril, então, pegou um pau e começou a reproduzir a imitação das crianças, encurvando-se e andando com paços trôpegos. Nunca mais esqueci essa cena. Será que essa sabedoria sobreviveu à globalização e à Era de Narciso?

Nenhum comentário:

Postar um comentário