quarta-feira, 28 de março de 2012

Diário de viagem: Manaus, parte 4


Manaus, 29 de janeiro

Finalmente vejo o céu azul sobre a cúpula do Teatro Amazonas. Como a luz faz uma incrível diferença no mundo! O sol torna tudo mais bonito e mais vivo. Foi como se o dia amanhecesse sorrindo.
Depois de trabalhar a manhã inteira no quarto do hotel, dei um pulo numa livraria próxima, que é também editora, Valer. Muitos livros de autores locais. Conheci um poeta, Tenório Telles. Só pra variar, manauara gentilíssimo. Fez-me uma seleção de livros e escreveu-me duas dedicatórias muito ternas. Levei várias de suas indicações. Saí de lá correndo, para encontrar as meninas, que me esperavam para o almoço. No carro mesmo já fui folheando e lendo os livros dos poetas amazonenses. Realmente, Thiago de Mello é o melhor de todos! Um poeta extraordinário. A fama é justíssima. Preciso confessar minha relutância com ele. Sua poesia mais conhecida tem um certo ranço ideológico, creio, e ninguém pode mais com o “Estatuto do Homem. Belo”, mas repetido à exaustão. Para mim, ficou igual ao Bolero de Ravel ou à Primavera, de Vivaldi. A banalização lhes roubou a possibilidade de encantamento. Agora começo a vislumbrar um outro Thiago de Mello.
Almoçamos num restaurante de comida regional, muito fino. Provei, finalmente, o famoso matrinxã, tido como o peixe mais nobre da culinária local. Recheado com a farofa de bolinhas, típica daqui. Simplesmente delicioso! Come-se mesmo muito bem em Manaus. Já vou ganhando os quilinhos de que estava precisada. Depois do almoço fomos andando até o Reservatório do Mocó. O vigilante, uma gracinha de velhinho, nos deixou entrar. Pudemos contemplar a estrutura interna de ferro, obra de engenharia inglesa. A caixa d’água continua funcionando. Comporta mais de 3 milhões de metros cúbicos de água. Tem uma escadinha de ferro, finíssima, toda vazada e muito, muito alta. Através dos degraus se enxerga o céu. Deve dar uma vertigem danada lá do alto. Bem que tentamos, mas o vigilante não nos deixou subir. De repente, o céu começou a desfazer-se em água. Voltamos pra casa debaixo de chuva torrencial.
À noite, quando saímos pra jantar, já não chovia. Uma brisa fresca provocou-me frio! Frio nas ruas de Manaus! E não fui só eu a sentir frio. Vivi estava de casaco. Ordinariamente sente-se muito frio em Manaus, pois onde se chega as pessoas estão com os ares condicionados em temperaturas siberianas. Na rua é que é surpreendente. Segundo soube, entre agosto e novembro o calor chega aos quarenta e poucos graus. Sem vento. O comentário é que nem o diabo aguenta.
No caminho da soparia, há uma esquina que é point de prostituição de travestis. Passamos no meio deles, ontem e hoje. Cumprimentei-os com um “boa noite”, nas duas ocasiões. Hoje, um deles, impressionado com o fato de eu me dirigir a eles, comentou: “Mulher fina a gente conhece de longe”. Entristece-me pensar que um gesto tão óbvio e simples, de mero respeito por um igual, tenha tanto valor precisamente porque eles devem viver um cotidiano de desprezo e invisibilidade.
Havia espetáculo no Teatro Amazonas. Lá estavam as infames luzinhas azuis piscando....

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