quinta-feira, 8 de março de 2012

A matéria da vida

O tempo é a matéria da vida, me dizia um amigo, romancista dos bons. Dia desses, conversávamos calorosamente, eu, ele e minha irmã. Já não me lembra se a conversa foi motivada pela Montanha Mágica, de Thomas Mann, ou se por reflexões de Ronaldo sobre viagens de avião e seu efeito sobre nossa percepção do tempo. O fato é que à parte divergências incisivas acerca da relação entre tempo e espaço, os três concordamos quanto ao essencial: olhada de um certo ângulo (objetivo???), a vida é meramente tempo decorrido. Nossa vida é feita dos segundos, minutos e horas que se sucedem entre o nascimento e a morte – organizados em meses e anos simplesmente porque com grandes unidades de medida fica mais fácil contar o tempo. Eis porque é preciso prestar muita atenção ao que fazemos com a matéria da nossa vida.
Quando somos muito jovens, temos a sensação de infinitude do tempo. Ele nos parece inesgotável, e então vivemos sem nem sequer refletir a respeito. Paradoxalmente, aos 20 anos temos muita sede de viver e nenhuma pressa real. Mas aí, acontece o inevitável, o tempo passa, escorre pelas mãos, como diz a música de Lulu, e um belo dia nos damos conta do peso da temporalidade. E é só quando intuímos ser o tempo a matéria da vida, que desperta em nós um sentido de urgência. Em geral, esse despertar da consciência tem sua origem em alguma frustração: ou ainda não realizamos as conquistas profissionais e financeiras almejadas, ou, o que é pior e mais grave, não conseguimos sequer atinar com o caminho da felicidade, da paz de espírito, do bem-estar emocional. Nos damos conta das escolhas equivocadas do passado, e, se formos capazes de um olhar mais crítico, perceberemos como elas decorreram da nossa incapacidade de mensurar o valor do tempo. Aos 20 anos, tanto faz errar ou acertar nas decisões sobre a própria vida. Aos 40, errar começa a ser tornar mais dramático. E é mesmo. O tempo da nossa vida é como um barro precioso, matéria única e especialíssima, como os pistaches que só nascem tão saborosos aos pés do Monte Etna. Qual será a nossa escolha: deixar o pistache cair, negligentemente, à beira do caminho, para ser comido pelos pássaros, ou fazer com ele o melhor sorvete de pistache do mundo?

Um comentário:

  1. Recentemente, uma tragédia chocou a zona sul carioca. Morreu o filho pré-adolescente de um surfista tarimbado, carioca da gema. Lindo, o menino. Tristeza total entre colegas, amigos, parentes e até desconhecidos como eu. Leio as mensagens dos colegas, no perfil dele no Facebook. Dizem que "nunca", "jamais" vão esquecê-lo; que "sempre" lembrarão de seu sorriso, seu carisma. Fiquei pensando. Os colegas têm seus 13, 14 anos. Também perdi uma colega aos 14 anos, num desastre aéreo. Foi horrível, a escola em choque. Mas o tempo cumpre um efeito ao mesmo tempo romântico e perverso, que é o de cristalizar a memória, pôr a pessoa num santuário enquanto a vida transcorre lá fora, nos botequins. Quando se perde alguém tão jovem, a perda - e a pessoa - ficam inerentemente ligados aos primórdios da vida. Segue-se a fase adulta, e é nela (geralmente) que a vida diz a que veio. Perdi amigos na vida adulta. Mantenho, com a memória deles, uma relação dinâmica porque eles existiram quando eu já era o que sou. Aquilo que disseram, fizeram, etc etc, reverbera na minha consciência com uma atualidade impressionante. Estão vivos à sua maneira, pois ainda sou aquele que os perdeu (e que os tinha). Já a amiga perdida na adolescência, ficou na adolescência. É uma memória lúdica, uma relíquia da minha antiguidade clássica - e que me remete à escola, aos colegas, aos costumes da época. Enfim, virou um símbolo. O tempo tem dessas coisas. Mudando (um pouco) de assunto, outro dia minha sobrinha de 15 anos comentou algo que teria acontecido há "muuuito tempo". Quanto tempo?, perguntei. E ela, calculando: uns dois anos. É mole???

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