terça-feira, 17 de abril de 2012

Ainda em cartaz: Um Conto Chinês


Para André S.

Um conto chinês é um filme lindo, de uma delicadeza enternecedora. Um pequeno comerciante de Buenos Aires tem uma vida absolutamente desinteressante. Extremamente metódico, Roberto dorme e acorda todos os dias rigorosamente no mesmo horário. Come precisamente a mesma coisa no café da manhã e passa os dias na sua lojinha de ferragens, onde conta todos os itens das caixas de parafusos ou pregos enviados pelos fornecedores, para ao final certificar-se de que os fabricantes nunca colocam nas embalagens a quantidade anunciada. Faltam sempre algumas unidades, o que deixa Roberto furioso. Não porque seja sovina, mas porque a desfaçatez fere sua sólida noção de integridade. A rotina é a única segurança diante de um mundo que, na verdade, parece totalmente absurdo a este veterano da Guerra das Malvinas. De modo a lidar com sua própria dor, também cultiva o hobby de colecionar notícias de jornal relatando eventos absurdos. Num dado final de semana, a vida do sujeito vira de pernas pro ar. Roberto está tomando tranquilamente seu mate, à beira de um campo, quando vê um chinês sendo jogado de um táxi a poucos metros de onde se encontra. Jun fora roubado e atirado do carro em movimento. Roberto apressa-se em ajudá-lo. A visita a uma delegacia, em busca de socorro institucional, é desastrosa. Compadecido do jovem chinês -- incapaz de pronunciar uma única palavra em espanhol --, Roberto leva-o à sua casa e lhe dá abrigo. Rapidamente o hóspede inesperado torna-se um estorvo. Quebra a rotina protetora do argentino e o leva à beira de um ataque de nervos. A tentação de abandonar Jun à própria sorte vai e vem diversas vezes, porém esbarra num fato incontornável: Roberto é um homem bom. A despeito de sua vontade, não consegue deixar Jun desamparado. Jun, por sua vez, sente o peso de sua presença na vida de seu anfitrião e faz de tudo para ser-lhe útil. Sua busca desesperada, desajeitada e quase infantil por esse amparo é comovente. Estabelece-se entre os dois uma dinâmica complexa e delicada. O equilíbrio é extremamente frágil. Como, aliás, costumam ser as relações humanas. A interpretação de Ricardo Darín, na pele de Roberto, é simplesmente magistral. E mais uma vez o cinema argentino dá mostras de sua competência para falar das coisas mais simples e ao mesmo tempo mais essenciais da vida do homem mediano, pequeno-burguês. Duas pessoas totalmente estranhas uma à outra, sem sequer o idioma em comum, acabam por descobrir ser precisamente o absurdo que as une. O absurdo que um dia invadiu suas vidas, deixando-lhes sequelas dolorosas, porém não insuperáveis, conforme aprenderá o comerciante portenho. A ternura de Jun, a generosidade, ainda que conflitante, de Roberto, e a certeza de que a Fortuna também guarda surpresas gratificantes para os bons, eis do que nos fala esse delicado filme.

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