sexta-feira, 20 de abril de 2012

“Juiz autoriza crianças de 6 anos no 1º ano”


Que notícia maravilhosa li ontem no jornal! Nossa vida político-institucional é tão disparatada e absurda que o bom-senso soa como coisa surpreendente. A que ponto chegamos! Minha sensação ao ler a manchete foi de puro alívio: Graças a Deus alguma alma iluminada ainda preserva a chama do bom juízo, da razoabilidade. Os argumentos que respaldam a benfazeja decisão estão devidamente apresentados pelo Ministério Público – que em igual rasgo de lucidez impetrou a ação – e pelo juiz federal, Cláudio Kitner. O principal argumento é de natureza legal: a resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) fere o princípio constitucional da isonomia (felizmente a Constituição nos protege dos desmandos e sandices dos burocratas). Todavia, há uma questão bem mais grave a ser debatida pela sociedade: somos vítimas de uma cultura política paternalista e autoritária, que nos toma a todos por sujeitos ineptos; incapazes, portanto, de deliberarmos com acerto sobre nossas próprias vidas e as de nossas crianças. Quero acrescentar que na História deste país esse paternalismo tem se revelado na prática de lideranças de direita e de esquerda! Foi comum nos governos militares e é muito frequente na era petista. Entre os conservadores, o vezo parece estar atrelado a uma herança imperial, descendente do Poder Moderador, paternalistica e sobranceiramente exercido por nossos dois Imperadores. Entre os chamados progressistas, a questão é propriamente ideológica. Qualquer rápida vista d’olhos sobre a literatura e a trajetória dos nossos partidos de esquerda expõe uma concepção de mundo em que o povo é composto de uma massa de alienados, a serem devidamente conduzidos por uma elite esclarecida. Essa elite seria oriunda ou solidária com o povo, o que, obviamente, faz toda a diferença! Não nos enganemos, o marxismo e suas derivações também são filhos das Luzes.
No nosso Brasil atual estamos o tempo todo nos deparando com iniciativas que denunciam esse pressuposto: nós, sociedade de infantilizados e imbecilizados, precisamos por isso mesmo ter todos os aspectos das nossas vidas devidamente regulados pelo Estado (sobretudo quando ele é gerido pela casta de iluminados oriundos do povo). Por essa lógica, cabe ao Estado determinar quando nossas crianças podem ser alfabetizadas – ainda que para isso elas precisem repetir de ano e incorrer em sério risco de desestímulo e desinteresse pela escola --, como também deveria caber ao Estado determinar que notícias somos capazes de processar criticamente (felizmente ainda não conseguiram transformar isso em lei), ou como devemos disciplinar nossos filhos, ou ainda quais obras literárias as crianças brasileiras devem ou não ler. O credo paternalista reza, ainda, que é mais fácil simplesmente estabelecer proibições e criar interditos, do que esclarecer, ou estimular o debate e a reflexão. Afinal, cabeças pensantes são perigosamente avessas à autoridade. Oxalá a decisão de Cláudio Kitner seja reiterada pelas instâncias jurídicas superiores (seria demais esperar que os membros do CNE tivessem alguma sensatez e desistissem de recorrer da decisão). A saúde institucional brasileira agradece, e os pobres imbecis, também.

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