quinta-feira, 19 de abril de 2012

Diário de viagem: Manaus, parte 6


Manaus, 31 de janeiro

Choveu horrores pela manhã. Nem consegui ver o dia raiando, pois o céu estava carregadíssimo quando o sol acordou.
A entrevista da tarde terminou cedo. No caminho de volta, pedi a seu Sabá para ir pelo cais do porto. Queria rever o rio Negro (avisto uma nesguinha dele da minha janela). Trânsito infernal para chegar lá. Tudo muito abandonado e sujo. No caminho, se apresentou aos nossos olhos, contundente e cortante, a imagem dos casebres amontoados à beira do rio, imundo. No cais do porto, garrafas flutuando aos montes, ao redor dos barcos. Ainda assim é impressionante a visão daquelas gaiolas enormes, branquinhas, às dezenas, ancoradas umas ao lado das outras. As cores dos detalhes é que variam: vermelhos, verdes, amarelos, azuis. Lá longe, na outra margem, finalmente se avistam sombras verdes, evocando a floresta, cuja presença não é possível pressentir, em Manaus. Um pouco mais distante, à direita de quem olha para o rio, está a ponte colossal, em fase final de construção. É um orgulho para os amazonenses: uma ponte sobre o vasto rio Negro! Deve dar-lhes a ilusória sensação de conquista, de domínio do homem sobre a natureza. Paramos no mercado municipal, onde comprei cuias decoradas. Seu Ubiratã, dono da barraquinha, para não fugir à regra dos manauaras, é um amor de pessoa.
Voltamos pelo centro realmente antigo de Manaus. Ruas estreitas, com nomes históricos: Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiúva, Floriano Peixoto, Rua dos Andradas. Casas coloniais, sobrados de antes do boom da borracha. Um frege danado, de comércio e de gente. É uma lástima que justo essa parte mais antiga e mais brasileira tenha esse ar de abandono e sujeira. Preciso caminhar por ali, com calma, qualquer dia desses. No final de semana tentarei convencer as meninas a fazer um passeio a pé, do hotel até o porto. Caminhar pelas ruas é o único modo verdadeiro de se conhecer uma cidade.
Estou absolutamente encantada com Thiago de Mello! Conhecia uns dois ou três poemas seus, bonitos, sem dúvida, mas os que tenho lido, no livro que comprei, são mais belos, mais bem acabados, mais arrebatadores. “Amor? Cuidado!”, por exemplo, é um poema delicado e contudente sobre a importância de superarmos os traumas, o passado, e nos abrirmos verdadeiramente ao amor. Amar é arriscar-se. Só quem se arrisca por inteiro pode experimentar as maravilhosas recompensas do amor. Não há outro meio. Thiago de Mello usa cada imagem linda para falar desse processo, imperativo para os corações que desejam renascer. É preciso que a morte se transforme em vida, que os destroços, as feridas íntimas, virem estrume, solo fértil onde um novo amor possa brotar, vigoroso.
Como faço para trocar tanta beleza pelas páginas áridas do relatório que preciso concluir hoje, sem apelação?!

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