segunda-feira, 30 de abril de 2012

Oxum e Erê em noite de magia no Santa Isabel


Para Haquira Osakabe

Alguns anos atrás ganhei de presente um CD de Virgínia Rodrigues. Na capa, uma mulher imponente, corpulenta, a cabeleira formada por abundantes tranças afro, vestido amarelo, sentada com pose de rainha. O disco, Nós, me revelou uma voz potente e ainda mais impressionante que a fotografia. As canções me deram a impressão de um lamento. O tom do disco é elegíaco, o ritmo das músicas parece propositadamente arrastado, evoca uma temporalidade mítica, ou seria melhor dizer que remete o ouvinte ao atemporal, ao eterno, ao sagrado.
Quando vi um cartaz anunciando o show de Virgínia Rodrigues no Recife, no âmbito de uma homenagem a Moacir Santos pensei que era minha oportunidade para ouvi-la ao vivo. Confesso: desconhecia a obra do artista homenageado, pernambucano de Flores. Decidi ir principalmente por causa da cantora e da participação de Naná Vasconcelos, embora a possibilidade de ampliar meus conhecimentos sobre os talentos da nossa música popular também me motivasse. Convenci minha amiga Dani e lá fomos nós. Chegamos em cima da hora, mas ainda conseguimos ingresso na terceira frisa. Casa cheia, porém não, lotada. Uma pena. Recifenses, não sabeis o que perdestes.
O que se viu no palco do Santa Isabel não foi um show, foi uma bênção, uma cerimônia  de unção. Virgínia Rodrigues é hoje uma mulher distinta da foto que me era familiar. Menos corpulenta e de cabeça raspada, vai ficando cada vez mais semelhante a uma divindade. A careca realça os olhos grandes e o sorriso amplo. Sua simpatia é absolutamente cativante. Espontânea, alegre, acolhedora, Virgínia parecia uma Oxum no palco, movendo mãos, braços, pés e quadris numa dança que era não era só do corpo, mas da alma. Sedutora. Hipnotizante. A voz, profunda, modulada em graves e agudos, é a de uma Diva. Qualquer música saindo dos seus lábios adquire a imponência e a gravidade de uma ária. Só que tem ao mesmo tempo uma ternura e um calor de acalanto, efeito que nenhuma ópera é capaz de produzir.
Dividindo o palco com ela, o violonista Alex Mesquita e o celista Iura Ranevisk foram perfeitos no acompanhamento da diva-deusa, sobrepuseram-se, inclusive, às deficiências lamentáveis do sistema de som. Para completar o ambiente mágico, o Erê Naná Vasconcelos foi brilhante. Cheio de artes e molecagens, deu um toque especialíssimo ao show, com seus tambores, chocalhos e gongo. Noite esplêndida. Noite sagrada. Pontos altos: Virgínia cantando Villa-Lobos, comovida e comovente; e a revelação que foi Maracatu, nação do amor, linda composição do homenageado, maestro Moacir Santos. Lembrei-me de um título muito sugestivo de disco da potiguar Roberta Sá: Quando o canto é reza. Definição perfeita  para o show de Virgínia-Naná-Moacir. Quem se deu ao trabalho de ir ao Santa Isabel nesta última sexta-feira saiu de lá sentindo-se abençoado, a alma leve, acalentada, afagada pelos orixás, e pelos deuses da música, da poesia, do belo, e do bem.

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