quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cotas raciais: adendo não planejado


Tinha dado o assunto das cotas raciais por encerrado, após escrever cinco textos a respeito. No entanto, um amigo querido enviou-me artigo de Frei David Santos, recém publicado nO Globo (“O sucesso das cotas nas universidades”). O artigo tem dois argumentos centrais. Acentua que as políticas de cotas incrementaram o ingresso de negros no ensino superior e alegra-se com o fato de os cotistas terem desempenho melhor que o dos demais alunos, por sentirem-se, supõe o autor, muito motivados com a oportunidade conquistada. Provocada por meu amigo, senti-me compelida a escrever este adendo.
Primeiramente, a reflexão de Frei David responde a um tipo de argumento frequentemente utilizado para criticar as cotas e que eu concordo ser muito frágil, superficial, para não dizer, cretino. E consiste justamente em pressupor que os cotistas têm desempenho inferior aos demais alunos, pois como normalmente vêm de escolas públicas, não têm a mesma base dos coleguinhas oriundos das escolas particulares. Conjugado a este, apresenta-se – também com frequência -- o argumento de que as cotas são ruins porque subestimam a capacidade dos negros, pressupondo-os menos inteligentes, logo, incapazes de chegar à universidade por méritos próprios, e por aí vai. Sempre achei esses argumentos primários. Inclusive porque sou super a favor das cotas para alunos de escolas públicas! Nem sei se as afirmações de Frei David procedem ou não (ele infelizmente não cita números, nem fontes de dados), mas não importa. Não é o sucesso ou insucesso dos cotistas que deve ser usado como critério para decidir se essa é uma boa política ou não, para o Brasil. De minha parte, acredito plenamente na capacidade de pessoas motivadas para vencerem obstáculos. Paralelamente, acho que cabe às universidades oferecer aos cotistas o apoio necessário para preencher eventuais lacunas. Além disso, é óbvio que a adoção de cotas raciais leva necessariamente ao aumento da presença de negros no ensino superior! Nunca soube de ninguém que colocasse esse resultado em questão. Esta é uma polêmica sobre meios, não sobre fins.
Na minha perspectiva, o problema com as cotas raciais tem a ver com 3 questões cruciais, discutidas em cinco textos anteriormente postados neste blog. A primeira é que cotas raciais corrigem uma injustiça histórica criando outra, presente. Entre dois jovens pobres, favelados e sem muita perspectiva de futuro, por que será dada ao de pele escura a possibilidade de mudar suas circunstâncias enquanto seu vizinho de pele mais clara ficará condenado à mesma exclusão de sempre? (Vide “Cotas raciais: parte 1”, neste blog).
A segunda é de natureza prática: não há critérios objetivos para o estabelecimento de quem é negro ou branco, no Brasil. As cotas raciais funcionam nos Estados Unidos porque lá há, de fato, duas "raças". E basta uma gota de sangue negro para que alguém seja incluído na raça negra. Agora, no Brasil, o que temos são categorias de cor. E a definição da cor da pele é altamente subjetiva, como comprovam todas as pesquisas empíricas (Vide “Cotas raciais: parte 2”, neste blog). E por favor não venham me dizer que essa é uma leitura meramente ideológica! Logo, considerados esses dois aspectos, a margem para o cometimento de injustiças com as políticas de cotas raciais, no Brasil, é considerável.
Minha terceira razão é de natureza histórica, cultural e intelectual. Me dá ojeriza a ideia de estarmos sempre "importando" soluções alheias, para problemas com configurações particulares nossas. Nossa história nos oferece possibilidades de solução do racismo e da desigualdade racial que passam por vias distintas da segregação. (Vide “Cotas raciais: parte 4”, neste blog). Devo citar ainda um argumento de natureza filosófica. As cotas raciais dão sobrevida a um paradigma que criou divisões artificiais entre a espécie humana. Usar o conceito de raça para combater o racismo é um contrasenso que pode e deve ser superado ( Vide “Cotas raciais: parte 3”, neste blog).
Isto posto, devo declarar minha integral e enfática concordância com Frei David, quando ele diz o seguinte: “A justiça se aproximará do seu ideal quando definirmos as cotas de outra forma: que a percentagem máxima de ingressos de alunos provenientes da rede particular de ensino seja a mesma dos que terminam o ensino médio: 12%. Com isso, automaticamente definiremos que 88% das vagas seriam destinadas aos alunos da rede pública! Esta atitude irá revolucionar a rede pública.”. Esse, sim, me parece ser um caminho muito mais sensato e justo com todas os jovens brasileiros que hoje estão “naturalmente” excluídos do ensino superior, logo, de possibilidades efetivas de uma vida melhor e distinta das de seus pais, avós, bisavós e tataravós, não importa qual seja a tonalidade de sua pele.
Mas o que eu penso é, no fundo, irrelevante. Hoje teremos decisão definitiva do Supremo a respeito.

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