quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cotas raciais: uma reflexão (parte 4)


Se a política de cotas raciais não é a melhor solução para as desigualdades raciais, quais são as alternativas? Devemos simplesmente aceitar o status quo, como se fosse uma fatalidade? A resposta, mais uma vez, é: claro que não! Tanto o preconceito como a desigualdade raciais devem ser ferozmente combatidos. Pessoalmente, entendo que vencer o preconceito é o passo mais importante. E nesse sentido, contamos com um legado sociocultural favorável.
Pesquisa realizada em São Paulo, por Carlos Hasenbalg, quase duas décadas atrás, concluiu “que a maioria das pessoas tem uma clara percepção dos mecanismos de discriminação racial no Brasil”. Ou seja, não somos um bando de alienados, nem temos complexo de Alice: não pensamos viver no País das Maravilhas. Além disso, quando perguntadas sobre o melhor caminho para combater o racismo, a esmagadora maioria dos entrevistados “83,1% dos brancos e 75,3% de não brancos” optou por “um movimento amplo, de caráter interétnico ou inter-racial, baseado portanto na empatia por parte dos brancos em relação ao problema racial”. A constatação de Hasenbalg sobre a realidade brasileira, na ocasião, foi a seguinte: “Existe um problema racial e ele demanda ação coletiva para ser corrigido. Por outra parte, existe o valor ou ideal de convivência harmônica entre grupos raciais e esse ideal é comum a brancos e não brancos”. Essa é uma constatação que independe das intenções, ideais e leituras do pesquisador. Apostaria, sem medo de errar, que caso a pesquisa fosse repetida, hoje, no país como um todo, os dados seriam ainda mais animadores, dado o relativo empenho com que se vem atacando o preconceito racial no Brasil, inclusive por meio de mecanismos legais, como a criminalização do racismo.
Ora, se a maioria dos brasileiros aposta mesmo numa solução conjunta contra o racismo, por que não aproveitar esse desejo difuso, mas generalizado, e canalizá-lo para levar a uma mobilização da coletividade em favor da igualdade? Nesse sentido, creio que pensar a democracia racial como utopia, em lugar de mito, aponta para um futuro muito mais promissor. E aqui evoco a figura de Gilberto Freyre, acusado de ideólogo-mor do mito da democracia racial. Ao dizer que todos os brasileiros são mestiços culturais e que, portanto, o negro é parte fundante e fundamental da carteira de identidade do país, Gilberto Freyre (mas não só ele) realmente dificultou o discurso do “nós” versus “eles”. O aspecto positivo dessa construção simbólica é que os destinos do “eu” e do “outro” passam a estar visceralmente conectados. A danação ou a salvação de um leva à danação ou à salvação do outro. Logo, a valorização da mestiçagem pode ser, sim, o caminho para vencermos o preconceito. A fórmula “100% mestiço”, com que pequenos grupos vêm reagindo à opção pela segregação, me parece muito inteligente. Precisamos é de campanhas educativas e publicitárias que associem essa formulação à negativação do preconceito. A vida social é basicamente valorativa. Operamos, o tempo todo, com hierarquias de sentidos e valores. Esse é o B A B da antropologia. Pois bem, estou convencida de que o melhor caminho para acabar com o preconceito racial é transformá-lo em algo socialmente muito indesejável. O preconceito tem que passar a ser algo totalmente out. O peso historicamente inigualável dos meios de comunicação, da propaganda e do mercado, no mundo de hoje, pode e deve ser usado como instrumento central dessa batalha simbólica.
Paralelamente, na identidade mestiça, devemos valorizar a herança cultural africana! Em alguma medida e gradualmente, isso já vem acontecendo, desde que, nos anos 30, a mestiçagem deixou de ser vista como ônus e maldição. Aliás, é bom lembrar que o samba saiu do fundo dos quintais das favelas para se tornar música nacional, a capoeira e o candomblé deixaram de ser caso de polícia, por conta dessa mudança de paradigma. Em todo caso, é valorizando o legado africano e estimulando sua reivindicação por brasileiros de todos os matizes, que teremos muito mais chances de vencermos o preconceito – e não o contrário. Aliás, quero deixar bem claro que se ser negro é uma questão de identificação com uma herança cultural, sou mais negra que muita gente de pele escura. Sou filha de Iemanjá e Ogum, me visto de branco nas sextas-feiras, tenho gingado e malemolência, e sou alucinada por um tambor de maracatu. Não admitirei jamais que alguém me roube o direito de me sentir parte desse legado e dessa história. E quem me garante que um teste de DNA não me revelaria uma composição genética mais negra que a de Adriana Bombom?

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