segunda-feira, 9 de abril de 2012

Da pena de Gustavo Krause


A ERA DE NARCISO E A ERA DA CULTURA
                                                                                   Por um Narciso às avessas
Não chego a cuspir no espelho. Mas não gosto do seu reflexo. E não é de agora. Ele só me fala da insignificância. Nasci pequeno. Mirrado. Antes do tempo. Moleira extensa. Meu pai, desolado, perguntava ao obstetra: este menino se cria? Com toda precariedade dos anos quarenta, em Vitória de Santo Antão, o médico garantiu que o quase-feto ia virar gente. Ainda hoje o espelho me diz que a insignificância exterior foi recompensada por alguma significância interior. Tinha duas certezas que foram se formando sob o imperativo da lei das compensações. Se de um lado, jamais seria um atleta de alto rendimento em algumas modalidades esportivas, nem tinha o physique du rôle para outras alternativas, de outra parte podia encontrar outros caminhos. Virei um peladeiro com certa habilidade: rápido e com bom toque de bola. Não fui muito longe, mas cheguei ao juvenil do Sport e aí, por mera coincidência, foi resolvida outra impossibilidade: namorei a cortadora do time de voleibol do Sport. Depois do treino do juvenil, começava na quadra coberta o treino das meninas. Claro, ia "cubar" o mulherio. E daí? Para o liliputiano, eram gigantes inacessíveis. E cadê coragem, assunto para abordar a morena de cabelos lisos e compridos que dava porradas tonitruantes na bola milimetricamente levantada? Até que um dia, quis ser cavalheiro e corri para apanhar a bola e entregar nas mãos daquela estátua de charme. Levei uma queda monumental. Queda e riso para Bergson têm uma relação de causalidade. Mas, aí dei o golpe esperto que sensibiliza as mulheres: o golpe de vítima. Depois do treino, manquei. Em troca, recebi a atenção cuidadosa que as mulheres dispensam a certos tipos ardilosos: o infeliz no casamento, o maior abandonado, o triste romântico e incompreendido, o anti-herói, este último fatal como contraponto aos mandamentos das leis da atração. Daí, para convidar para um sorvete no "Gemba", sorveteria chique na rua da Aurora cujo dono era um salvado da guerra mundial e um mágico do sabor (você sequer ouviu falar, verdade?). E aí descobri outro caminho de aproximação das vênus inatingíveis: o humor, a graça, o riso compartilhado das mínimas coisas, a alegria de viver. Não deu outra: namoro à antiga que tinha fases e tempo para toques e intimidade. Fizemos um pacto divertido, sempre que possível, eu caminhava no meio o fio e ela fora do calçamento. Sapato alto, nem pensar. Mas dançar era um ofício de bom desempenho. Rosto com rosto não dava, mas era substituído pelo queixo na cabeça. Pois bem, jogar futebol (único dos esportes em que, com honrosas exceções, os maiores jogadores do mundo têm entre um metro e setenta e um metro e sessenta e cinco; onde o mais pobre pode ganhar dos mais ricos e o mais franzino do mais forte, por isso é o maior e mais emocionante espetáculo da terra), bom humor e viver bem a partir da compreensão das limitações da biologia e da idade pode dar por dentro o que falta por fora. Perigo: todo cara que não vence e não resolve o problema do tamanho ou está insatisfeito com seu corpo é um perigo. Note o tamanho dos ditadores, com exceções, é claro. Mas há uma correlação estatística entre o autoritarismo, a pequenez ou desgosto com o corpo. 
Todo este blá, blá, blá, vem ao encontro do mito do corpo. Amiga, homens e mulheres enlouqueceram. Sou "acadêmico" (frequento academia de ginástica por recomendação médica e por prazer, corro, caminho e etc...) faz 34 anos. Vi de tudo: bulimia, anorexia, anabolizantes, lesões musculares e ósseas. O menos grave é o que chamo de endorfinodependentes. Não buscam saúde; não buscam, sequer, a admiração e o desejo; esgotam-se no prazer narcísico a tal ponto que uma amiga de mais de uma década (belíssima), ao se despedir de mim numa das sessões de aeróbica, disse "até para o mês". Férias? Perguntei. "Não vou fazer uma lipo e colocar silicone nos seios". Não acredito, não tenho nada com isto, você é muito bonita e seu marido já me disse que você exagera. Fez a lipo, já teve várias lesões, mas não se contém. Cheguei a uma conclusão: este tipo de mulher sofre de uma insatisfação ampla, profunda e o ponto G é no espelho. Duras que nem machos; pontiagudas que nem esqueletos; todas são inimigas figadais da tenra camada que amortece qualquer aterrissagem e que se chama celulite. Meu Deus, estou perdido. Logo eu que, em parceria com Michilles, fizemos o frevo "Adoro celulite", uma pequena ode à estética fofa e confortável: "Gordinha, linda Afrodite, parei no seu "it" de anjo barroco/você me deixa louco com seu apetite/acredite, adoro celulite". 
Vamos juntos fundar o movimento neo-machofeminista VIVA A CE(U)LULITE! 
Beijão e continue blogando para deleite do seu fiel leitor, GK

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