quinta-feira, 12 de abril de 2012

Licença sentimental

Eu tinha oito anos recém completados quando conheci meu padrinho (tinha vaga lembrança de um encontro anterior, quando ainda era muito pequena). Um homem simples e doce. Era gago. Foi a primeira vez que travei contato com alguém assim. Ao contrário dos adultos, que às vezes se impacientavam com a fala entrecortada, sua gagueira me fascinava, pelo diferente, pelo inusitado. Tio Luiz adorava tirar fotografias. Sempre pedia uma pose aos inúmeros sobrinhos. Não me lembro de uma única vez, ao longo da minha adolescência e juventude, em que o tenha encontrado sem pôr-me a postos para pelo menos uma foto. Não sei se era o olhar meigo, os gestos sempre carinhosos para comigo, o amor transbordando na fala trôpega, o fato é que a figura do Tio Luiz sempre despertou em mim profunda ternura. Era um homem generoso, de uma ingenuidade quase infantil. Certamente era o mais frágil dos 13 filhos de minha avó. Hoje entendo que essa deve ter sido a motivação de meu pai para escolhê-lo como padrinho de sua primogênita – sendo meu pai, também ele, um homem generoso e sensível. Sou muito grata por essa escolha. Meu padrinho nunca me deu presentes caros, era um homem de poucas posses, mas me legou coisas muito mais preciosas e perenes. Na convivência com ele (ainda que esporádica depois de irmos embora de Fortaleza), aprendi a ser paciente, a respeitar diferenças, a admirar a generosidade, a apreciar a simplicidade. Ele também foi para mim um exemplo de fé. Tinha uma crença inabalável em Deus e uma profunda devoção por Nossa Senhora.
Tio Luiz teve uma vida atribulada. Enfrentou grandes dificuldades. Passou por sofrimentos intensos. Ainda assim, jamais perdeu a ternura e a fé. É claro que ele também tinha seu lado de sombras. Afinal, todos nós somos feitos de luz e de sombras. Eu tive a alegria de conhecê-lo apenas na sua luminosidade. No dia 9 de abril meu padrinho teve a sua Páscoa. Após três semanas de padecimento numa UTI, foi juntar-se a seus pais, irmãos e sobrinho, na Casa do Pai. Neste momento, meu coração está dividido. Choro a saudade de sua ausência. Ao mesmo tempo, me alegro porque creio na Eternidade e sei que meu padrinho agora conhece uma felicidade e uma paz nunca experimentadas em vida.
Espero que ele seja lembrado sempre por seu lado luminoso, pelos sorrisos distribuídos, pela atenção dispensada aos amigos, pela ternura manifestada aos irmãos e sobrinhos. Do seu jeito talvez meio torto não tenho dúvidas de que amou profundamente seus filhos e esposa. Não se trata de glorificar os mortos, mas de cultivarmos uma postura amorosa e humilde, de reconhecimento da nossa própria e limitada humanidade. Luiz Ignacio Torres da Costa e Silva era um homem de coração bom, sem malícia, e isso, para mim, é motivo de orgulho, é fonte de inspiração e de alegria, assim como é razão para que sua lembrança esteja sempre presente em meu espírito.

Um comentário:

  1. Valéria, escolhi ler esse texto ao acaso. E, de cara, já adorei. A doçura das suas palavras para o seu padrinho é comovente. Belo texto.

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