sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Cartas para Minha Irmã: a caminho de Santiago de Compostela 14


25/09/15

Boa Tarde, Minha Irmã!
Estou agora em Villafranca Montes de Oca, sentada no extenso gramado de albergue, que é também um charmoso hotel, onde em tempos medievais existiu um hospital de peregrinos. Faz uma tarde agradabilíssima. Céu azul, algumas nuvens no céu, um sol morninho. À minha frente, uma linda igrejinha em pedra quase branca, do século XVIII, com uma torre de cúpula em forma de minarete. E por trás da Igrejinha (que infelizmente está fechada), uma colina com bosques verdes do lado direito e campos cor de ocre, do lado esquerdo.
Hoje caminhei pouco, apenas 16,8 kms. Mas já venci meus primeiros 200 kms!!!! Na verdade, daqui a pouco completo 300 kms. Devagarzinho vou vencendo as distâncias. Sempre me lembro de um ditado que mamãe adora repetir: Devagar, que eu tenho pressa. Pois vou nesse compasso. Sinto que meu pé está melhorando, e minha coluna também. Se Deus quiser, a partir de Burgos volto a carregar minha mochila.
Ontem, em Villamayor del Río, dormi num quarto com um casal francês de seus sessenta anos. Ela, Marianne, tem um problema crônico nos rins. Certamente fez hemodiálise, pois um de seus braços tem as veias bastante hipertrofiadas. Marianne é tão magrinha que dá aflição. E está aí, firme e forte fazendo esse Caminho, que não tem nada de fácil. O albergue onde fiquei ontem era bem fraquinho. E a dona não fazia nenhuma questão de ser simpática, o que é bem estranho para os padrões do Caminho. O lugar era simples, porém limpo, e consegui dormir direitinho. Só que não tinha internet, e dormi preocupada de vocês estarem agoniados sem notícias minhas. Por isso, acordei mais cedo do que o costume, tomei o café frugalíssimo desse albergue (também, acho que por cinco euros eu não devia esperar mais) e botei o pé da estrada. Eram oito horas da manhã e o dia estava apenas raiando. Logo após cruzar a minúscula cidade, de apenas uma rua, me voltei para trás e o céu estava a coisa mais linda, em tons de amarelo, rosa e um suave alaranjado. Até parecia um pôr-do-sol.
Caminhei sozinha, entre colinas arenosas, e em cerca de uma hora cheguei a Belorado. A essa altura o sol já iluminava tudo e o céu estava vestido de um azul resplandecente, e de alguns fiapos de nuvens. Belorado é uma cidadezinha de verdade, ao contrário dos vilarejos que cruzei ontem e hoje. Tem uma grande praça central, com um coreto e uma Igreja (obviamente), e um comércio razoável. Quase tudo ainda estava fechado, mas pude comprar algumas coisas para comer ao longo do dia, num mercadinho dessa praça. Não deu foi para visitar as duas Igrejas da cidade, que ainda estavam fechadas. Uma delas parece estar colada a uma parede de pedra arenosa. Do lado direito dessa Igreja, avistei uma casa inteiramente encravada na rocha. A gente só vê as janelas (com cortininhas de pano) e a porta em madeira. E parece ser uma casa renovada. Certamente tem alguém morando nela.
Caminhei pelas ruazinhas estreitas até chegar à saída de Belorado, onde as construções já são contemporâneas, e onde vi um senhorzinho assando pimentões num fogareiro a lenha. Esses pimentões assados são muito comuns aqui no norte da Espanha e são divinos! Cruzei um parque, uma ponte e segui caminhando em meio a campos que parecem estar arados, prontos para a semeadura. Ontem e hoje cruzei vastas extensões desse cenário meio agreste, com campos pelados, nessa cor ocre, nos dois lados do caminho. Aqui e acolá, uma plantação de girassol quebrava a monotonia do ocre, adicionando notas de um amarelo esmaecido e de marrom escuro (os girassóis estão bem secos). Às vezes, ao longe, a gente vê a mancha verde de uma colina coberta por algum remanescente de bosque. Parece que os campos que agora estão pelados são plantações de trigo. Devo dizer que desde ontem deixei a Província de Rioja, e estou caminhando pela Província de Burgos.
Mais uma hora de caminhada e cheguei a Tosantos. O Caminho passa quase que por fora do povoado. É preciso entrar por uma ruazinha e cruzar uma rodovia, para chegar à Igrejinha local e ter acesso a uma Ermida que fica no alto de um monte arenoso. Por trás da Igreja (também fechada), há um albergue com café, de onde pude, finalmente, mandar um whatsapp para vocês, para avisar que estava tudo bem. Espero que mamãe não tenha se inquietado muito. De todo modo, esse episódio é bom pra gente ver que nem sempre eu vou poder dar notícias diárias.
Tomei um chá nesse albergue, cujo dono era uma simpatia, e subi a colina que leva à Ermida, de onde há uma bela vista do vale com o povoado de Tosanto. A Ermida está encravada na pedra. É uma formação parecida com a de Nájera, só que em vez da areia avermelhada, é uma rocha também cor de ocre. E está disposta em camadas finas, como se alguém tivesse empilhado folhas de pedra. A gente vê com tanta nitidez as camadas finas de rocha umas sobre as outras! Muito bonito.
Desci a colina e segui meu caminho no mesmo cenário que acabo de te descrever. Cruzei dois minúsculos povoados (Villambistia e Espinosa del Camino), até que cheguei à entrada de Villafranca Montes de Oca. Pouco antes da cidadezinha há vários campos de girassóis e um formoso riachozinho. Villafranca está à beira da rodovia e tem basicamente uma rua. O albergue San Anton Abad fica ao final dessa rua, numa colinazinha. Na frente está um hotel três estrelas e atrás, o albergue. Ao lado tem esse gramado delicioso, onde há pouco tirei uma soneca, aproveitando o solzinho gostoso de fim de tarde, e de onde te escrevo agora.
Como cheguei cedo, e tem uma boa estrutura nesse albergue, pude aproveitar para lavar toda a minha roupa (que é pouquíssima), incluindo casaco e toalha. Todos os dias eu lavo minha blusa e calcinha, no chuveiro mesmo, enquanto tomo banho. Dia sim, dia não, lavo um dos pares de meia, e a cada três dias tento lavar uma das duas calças que levo comigo. Como não dá tempo de secar da noite pro dia, penduro a roupa molhada na mochila e deixo que seque ao longo da caminhada. Mas casaco e toalha é mais difícil lavar. Por isso, adorei a possibilidade de lavar tudo com mais calma, num tanque de lavar roupa! E tendo chegado cedo, com o sol e o vento que estão fazendo, vai dar pra secar tudo ainda hoje. Só vou registrar que após caminhar 17 kms, ficar de pé até pra lavar roupa é custoso. Meus pés ficam muito cansados. Acho que ainda não se acostumaram inteiramente com o rojão.
Bom, Niquinha, vou dar uma saidinha para comprar algo pro jantar. Mais tarde te escrevo sobre o dia de ontem.
Beijos cheios de saudade,
Léia

Nenhum comentário:

Postar um comentário