02/10/15
Oi, Niquinha!
Te escrevo do Hospital para Peregrinos San Nicolás de
Puente Fitero, no pequeno povoado de Itero del Castillo (não chega a ter
cinquenta habitantes). Esse albergue de peregrinos está instalado numa
edificação que parece ser uma Ermida,
de traços claramente românicos. Há uma capela com os arcos e teto típicos,
portanto, imagino que tenha sido construída entre os séculos XII e XIII. Deve
ter sido, de faro, um antigo hospital de peregrinos. Hoje, a Confraternita Di San Jacopo di Compostella
toma conta dela e acolhe peregrinos entre maio e setembro. Dois dias atrás,
Ella (a italiana, lembra?) me mandou um whatsapp
dizendo que eles tinham dormido aqui e que é muito especial. Não tem luz
elétrica, o jantar é a luz de velas e tem uma cerimônia de lava pés. Lógico que
fiquei interessadíssima e mudei meus planos. Em lugar de vinte e dois, percorri
onze quilômetros apenas, para poder dormir aqui.
Até o momento estou
adorando. A Ermida é toda de pedra e tem um único vão. Numa das pontas está a
capela, na outra estão as camas. São apenas 12 lugares. Eu vim arriscando, ou
confiando na Providência Divina, para ser mais precisa. Mandei minha mochila
para Itero del Castillo, que fica a 1km da Ermida, passei pelo albergue
municipal, recolhi a mochila e vim andando até aqui. Na verdade, passei da
Ermida porque estava em busca de algum tipo de mosteiro, e andei até Itero de
La Vega! Depois tive de voltar dois quilômetros e ficar esperando que a Ermida
abrisse. Graças a Deus deu tudo certo. Estou muito feliz de estar aqui. Os
hospitaleiros italianos são uma simpatia. Já cantamos Águas de Março juntos e tudo (usando o ipad de Andrea)! Tem uma xará minha, Valéria, que é uma gracinha de
pessoa, além de linda. Dentre os peregrinos tem dois italianos, dois espanhóis,
uma canadense, três americanas e uma brasileira, Lis. Tão curioso isso, eu
passei quase vinte dias sem encontrar um brasileiro! De três dias pra cá, todo
dia eu conheço um. Hoje, conheci vários, porque uns amigos de Lis estavam de
passagem e fui apresentada a eles. Ah!
Esqueci de te dizer que no meu quarto, no Ultreia, havia dois brasileiros, Antônio (um senhor baiano
adorável) e Eduardo.
Bom, hoje, em
Castrojeriz, acordei ao som da Ave Maria
de Gounot. Ainda não eram seis e meia da manhã, mas adorei acordar ao som dessa
música; ideia maravilhosa a desse hospitaleiro.
Tomei café no refeitório, com os demais peregrinos e fui me organizar para
partir. Eram umas oito e meia da manhã quando saí do albergue Ultreia e me despedi de Don José. O sol
ainda estava despontando por detrás das casas, colorindo tudo com a luz meio
rósea do amanhecer. A manhã estava gelada. Faziam seis graus. Agradeci tanto
por ter comprado minhas roupinhas térmicas! Caminhei sem sentir frio. Passei
pela Igreja de San Juan, que estava fechada, e como eu ia andar uma distância
menor do que o usual, me animei a subir a montanha de Castrojeriz para visitar
as ruínas de um castelo. Foi um castelo importante, que serviu de base para
diferentes guerras ao longo de alguns séculos, entre cristãos e mouros, entre
os reinos de Espanha (daí porque as galerias subterrâneas, onde está a bodega de Don José, e que eram parte do
sistema de defesa do castelo). Algumas partes das ruínas remontam aos séculos
IX e X, outras aos séculos XII e XIII. Pude subir até o alto da antiga torre,
por escadas estreitíssimas. Não havia ninguém, tinha o castelo inteiramente para
mim. O castelo é muitíssimo bem posicionado. Lá do alto a gente vê todo o vale
ao redor. Dá para enxergar grandes distâncias. Ao longe, uma suave neblina
cobria algumas formações montanhosas. Linda vista. Bela maneira de começar o
dia.
Quando desci a
montanha e deixei Castrojeriz para trás já eram quase dez da manhã. A caminhada
até Itero del Castillo foi bem tranquila. Peguei a galera madrugadora, que já
vinha de outras cidades. Atravessei uns campos de girassóis e outros desnudos,
e comecei a subir uma encosta bem íngreme. Uma subida de quase mil metros. Fui
fazendo minhas orações matinais, subindo devagarzinho, e passo a passo cheguei
ao cume. Outra bela vista do vale, com a montanha de Castrojeriz ao fundo.
Andei um pouquinho sobre um platô e quando cheguei ao outro lado, onde está a
encosta para a descida dos peregrinos, avistei um outro vale, na verdade, uma
extensa planície, a se perder de vista, pontuada pela silhueta de algumas
cidadezinhas. Dava pra ver quase todo o caminho que eu ainda tinha de percorrer
até chegar a Itero. A descida da encosta não foi muito difícil porque tem uma
espécie de pavimento de pedra. Depois, já na planície, campos e mais campos
desnudos ou com uns toquinhos de trigo (acho eu), o que significa paisagem
basicamente ocre. Num determinado ponto da estrada há uma bifurcação. Para
passar por Itero del Castillo, onde estaria minha mochila, segui pela direita.
Quase todos os peregrinos seguiram pela esquerda.
Tenho a impressão de
que estou me acostumando com as distâncias, porque nem senti muito essa
caminhada de hoje. Quando menos esperei, estava na entrada de Itero del
Castillo. A torre da Igreja se destaca à distância e é bem bonita, arredondada
e decorada por fora, o que não é tão comum nessas localidades pequeninas.
Infelizmente, estava fechada. Também não consegui visitar a Torre medieval.
Passei no bar da cidade, onde se encontrava o pessoal que toma conta do
albergue municipal. Comi um sanduíche meio sem graça só para ser delicada,
porque eu mandei minha mochila pro albergue e não ia ficar lá. Itero del
Castillo deve receber poucos peregrinos, por isso, a moça do bar ficou meio
decepcionada quando eu disse que iria dormir em San Nicolas. Achei que no
mínimo eu devia comer alguma coisa no bar. Mas, pra ser sincera, não gostei
muito da energia da galera.
Comi, peguei minha
mochila (que depois das minhas compras em Burgos está beeem pesada) e tomei meu
rumo. Daí, como eu te disse, fui bater em Itero de la Vega e, para usar uma
expressão bem portuguesa, “voltei pra trás”. Ainda nem sei como vou fazer para
despachar minha mochila amanhã, mas sei que dará tudo certo. Estou muito feliz
de ter conseguido me hospedar nessa Ermida. Já tomei banho (quente!!! Com água
aquecida por painéis solares) e estou sentada nuns banquinhos de pedra, entre
roseiras, olhando para uma linda ponte de arcos, que divide as províncias de
Burgos e Palencia (com “P” mesmo). A vista do rio Pisuerga, a partir da ponte,
é lindíssima. Há muitas árvores nas margens, já coloridas pelo outono, e capim
no meio do rio, desses bem altos.
Sinto que será uma
noite especial. Amanhã te conto tudo.
Grande Beijo, Minha
Irmã!
Fica com Deus.
Léia
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