quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Cartas para Minha Irmã: a caminho de Santiago de Compostela 31


13/10/15

Niquinha, Querida,
Adoro albergues que não têm regras estritas! Acordei umas sete horas, tomei café com calma e deixaei o albergue umas nove horas, já com o sol brilhando e um belo céu azul. Ainda dei uma chegada na Catedral, só para admirar os vitrais da entrada (não ia pagar outro ingresso!), e fui a uma farmácia, comprar algumas coisas de que andava precisando, inclusive uma nova joelheira e uma faixa para o tornozelo. Retomei o Caminho, seguindo as setinhas amarelas. León está muitíssimo bem sinalizada com relação ao Caminho. Logo após deixar o centro histórico para trás, cheguei ao Convento de São Marcos. É uma bela edificação, com fachada do século XVI, cheia de referências a Santiago. Há vieiras por todo lado. E tem um museu, de acesso gratuito, na área do Claustro. Nada de muito especial. Algumas tumbas e uma série de quadros com cenas no Gênesis, do século XVII. Nesse Convento tem um Parador, um hotel de luxo, com um hall impressionante. Imagino que deve ser uma delícia hospedar-se num desses paradores. Há alguns no Caminho, e vários na Espanha e em Portugal, que eu saiba.
Após cruzar uma ponte e passar por um simpático parque urbano, cheguei a uma cidade da região metropolitana de León, Trabajo del Camino. Cara de cidade de periferia, sem graça nenhuma. O Caminho segue por alguns quilômetros pelo que imagino ser a rua principal, com muito comércio. Em meio à confusão de casas de dois andares e lojas, uma Igrejinha de Pedra. Entrei na Ermida de Santiago, rezei um pouco e segui caminhando. A essa altura já era início da tarde. Creio que passava da uma. EM certo ponto de uma vizinhança já mais simpaticazinha, com casinhas de jardim à frente, dobrei à direita e passei por uns galpões. Era o início da área industrial de León. Em lugar de seguir por essa área cinzenta, que ademais segue junto a uma rodovia, peguei um caminho alternativo. Chega respirei aliviada, por sair de perto dos carros e do movimento de transeuntes.
O problema desses caminhos alternativos é que em alguns trechos a sinalização é meio escassa. A pessoa fica mais insegura. Mas deu tudo certo. Cruzei uns terrenos com vegetação silvestre, onde havia gente colhendo cogumelos (setas), vendo ao longe o pequeno aeroporto de León. Até que cheguei a uma área com grandes condomínios de prédios de uns três ou quatro andares. Era a cidade de La Virgen del Camino. Me atrapalhei um pouco pela falta de sinalização, pedi orientações e retomei a rota certa. Quando ia cruzar a rodovia, vi à minha frente uma plaquinha que indicava Santuario de La Virgen del Camino. Olhei pro lado e vi a fachada enorme de uma Igreja de linhas retas, com esculturas em cobre, longilíneas. Obra moderna, bem interessante. Me lembrou a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro. Entrei. Um Padre que estava se dirigindo ao confessionário, ao me ver, veio logo em minha direção. Um amorzinho! Me deu as boas-vindas, estampou minha credencial, me deu um panfleto sobre a Basílica, me explicou algumas coisas e me desejou Buen Camino, sempre com um largo sorriso no rosto. A acolhida calorosa encheu meu coração de alegria. Visitei a Basílica, que tem um altar barroco, do século XVIII, com uma Pietá de princípios do XVI. Essas peças repousam numa parede de pedra. O contraste entre o antigo e o moderno causa um efeito bem curioso. Por detrás do altar tem uma sala com um estandarte da Virgen del Camino, cuja festa tinha sido no dia anterior, 12 de outubro, tal como a de Nossa Senhora Aparecida.
Não demorei muito na Basílica por causa da hora. Cruzei a rodovia e segui por uma estradinha de terra, até o povoado de Fresno del Camino. Parei no único bar local, tomei um chá, e na pracinha em frente fiz um lanche com pão e queijo que eu tinha comprado num supermercado antes de deixar León. O resto da tarde foi de caminhada muito agradável, e estradinha de terra vermelha e seixos, ladeada por campos de cultivo, a maioria desnudos ou com um matinho ralo, de planta que começa a crescer. Às vezes algumas nuvens encobriam o sol, e esfriava um pouco, porém peguei um solzinho gostoso a maior parte do tempo. Cruzei dois pequenos povoados, Oncina e Chozas de Abajo, com suas praças e fontezinhas (providenciais para os peregrinos) e quando estava quase chegando e Villar de Mazarife, encontrei um senhorzinho que descia de um trator, à porta de uma grande propriedade rural (finca). Ele puxou conversa comigo e quando me despedi, me ofereceu uma cerveja para ir tomando pela estrada. Agradeci, recusei gentilmente a oferta e venci os dois quilômetros que faltavam para o meu destino. Nessa altura, meu pé direito já estava incomodando e eu caminhava mais devagar. Digo mais devagar porque eu já vinha num ritmo mais lento, lembrando do que me disse a enfermeira canadense sobre os passos mais curtos.
Chegando a Villar de Mazarife, fui logo à Igrejinha local para ver se estava aberta. Uma mocinha estava sentada a uma mesa, com o carimbo para estampar as credenciais dos peregrinos. Ariana era muito doce e me explicou várias coisas sobre a Igreja de Santiago, que sofreu profundas modificações desde a sua construção, pelo século XII. De original só resta uma piazinha para água benta. Os altares, do século XVI (ao que parece) são graciosos, especialmente um, italiano, em madeira policromada, com uma imagem simples e delicada de Nossa Senhora. Também me chamou a atenção uma pintura de Cristo crucificado com Deus Pai por detrás, segurando a cruz (seria da mesma época, século XVI). Eles têm, ainda, uma Cruz Processional do século XIII. Ariana me mostrou tudo com visível orgulho. A abóbada central está pintada como um céu, azul, com nuvenzinhas brancas. Algo bem cafona para mim, e, no entanto, muito apreciado por minha cicerone.
Depois da visita à Igrejinha, me dirigi ao meu albergue. O Refúgio de Jesus é um lugar muito simples e descolado. Todas as paredes estão cobertas de inscrições e desenhos deixados pelos peregrinos. Estava cheio. O problema eram os banheiros, demasiado velhos. Pensei que por cinco euros não devo esperar muito mais do que as acomodações que encontrei ali. Fiquei num quarto com mais duas moças. Após o banho, fui a um mercadinho local e comprei uma sopa de abóbora pronta bem decente. A pequena cozinha está disponível para os peregrinos e estava congestionada com gente cozinhando. Esquentei minha sopa e fui tomá-la no refeitório, bem mais espaçoso. Depois, ainda tentei ficar por ali escrevendo minhas cartas para você. Só que logo o refeitório se encheu de gente, e um animado grupo de peregrinos de distintos países fazia muito barulho. Um deles cantava, até bem bonito. Desisti de escrever, por impossibilidade de concentração, e fiquei por ali, ouvindo as conversas e as músicas.
Comecei a tomar o anti-inflamatório junto com o omeprazol, como você me recomendou. Todavia, não consegui colocar gelo no pé. Veremos como ele amanhece. A bolha do calcanhar está secando, creio eu. A noite parece que será bem fria.
Beijos saudosos, Niquinha!
Da irmã que muuuuuito te ama,

Léia

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