13/10/15
Niquinha, Querida,
Adoro albergues que
não têm regras estritas! Acordei umas sete horas, tomei café com calma e
deixaei o albergue umas nove horas, já com o sol brilhando e um belo céu azul.
Ainda dei uma chegada na Catedral, só para admirar os vitrais da entrada (não
ia pagar outro ingresso!), e fui a uma farmácia, comprar algumas coisas de que
andava precisando, inclusive uma nova joelheira e uma faixa para o tornozelo.
Retomei o Caminho, seguindo as setinhas amarelas. León está muitíssimo bem
sinalizada com relação ao Caminho. Logo após deixar o centro histórico para
trás, cheguei ao Convento de São Marcos. É uma bela edificação, com fachada do
século XVI, cheia de referências a Santiago. Há vieiras por todo lado. E tem um
museu, de acesso gratuito, na área do Claustro. Nada de muito especial. Algumas
tumbas e uma série de quadros com cenas no Gênesis, do século XVII. Nesse
Convento tem um Parador, um hotel de
luxo, com um hall impressionante. Imagino que deve ser uma delícia hospedar-se
num desses paradores. Há alguns no
Caminho, e vários na Espanha e em Portugal, que eu saiba.
Após cruzar uma ponte
e passar por um simpático parque urbano, cheguei a uma cidade da região
metropolitana de León, Trabajo del Camino. Cara de cidade de periferia, sem
graça nenhuma. O Caminho segue por alguns quilômetros pelo que imagino ser a
rua principal, com muito comércio. Em meio à confusão de casas de dois andares
e lojas, uma Igrejinha de Pedra. Entrei na Ermida de Santiago, rezei um pouco e
segui caminhando. A essa altura já era início da tarde. Creio que passava da
uma. EM certo ponto de uma vizinhança já mais simpaticazinha, com casinhas de
jardim à frente, dobrei à direita e passei por uns galpões. Era o início da
área industrial de León. Em lugar de seguir por essa área cinzenta, que ademais
segue junto a uma rodovia, peguei um caminho alternativo. Chega respirei
aliviada, por sair de perto dos carros e do movimento de transeuntes.
O problema desses
caminhos alternativos é que em alguns trechos a sinalização é meio escassa. A
pessoa fica mais insegura. Mas deu tudo certo. Cruzei uns terrenos com
vegetação silvestre, onde havia gente colhendo cogumelos (setas), vendo ao longe o pequeno aeroporto de León. Até que cheguei
a uma área com grandes condomínios de prédios de uns três ou quatro andares.
Era a cidade de La Virgen del Camino. Me atrapalhei um pouco pela falta de
sinalização, pedi orientações e retomei a rota certa. Quando ia cruzar a rodovia,
vi à minha frente uma plaquinha que indicava Santuario de La Virgen del Camino. Olhei pro lado e vi a fachada
enorme de uma Igreja de linhas retas, com esculturas em cobre, longilíneas.
Obra moderna, bem interessante. Me lembrou a Igreja de Nossa Senhora de
Copacabana, no Rio de Janeiro. Entrei. Um Padre que estava se dirigindo ao
confessionário, ao me ver, veio logo em minha direção. Um amorzinho! Me deu as
boas-vindas, estampou minha credencial, me deu um panfleto sobre a Basílica, me
explicou algumas coisas e me desejou Buen
Camino, sempre com um largo sorriso no rosto. A acolhida calorosa encheu meu
coração de alegria. Visitei a Basílica, que tem um altar barroco, do século
XVIII, com uma Pietá de princípios do XVI. Essas peças repousam numa parede de
pedra. O contraste entre o antigo e o moderno causa um efeito bem curioso. Por
detrás do altar tem uma sala com um estandarte da Virgen del Camino, cuja festa
tinha sido no dia anterior, 12 de outubro, tal como a de Nossa Senhora
Aparecida.
Não demorei muito na
Basílica por causa da hora. Cruzei a rodovia e segui por uma estradinha de
terra, até o povoado de Fresno del Camino. Parei no único bar local, tomei um
chá, e na pracinha em frente fiz um lanche com pão e queijo que eu tinha
comprado num supermercado antes de deixar León. O resto da tarde foi de caminhada
muito agradável, e estradinha de terra vermelha e seixos, ladeada por campos de
cultivo, a maioria desnudos ou com um matinho ralo, de planta que começa a
crescer. Às vezes algumas nuvens encobriam o sol, e esfriava um pouco, porém
peguei um solzinho gostoso a maior parte do tempo. Cruzei dois pequenos
povoados, Oncina e Chozas de Abajo, com suas praças e fontezinhas
(providenciais para os peregrinos) e quando estava quase chegando e Villar de
Mazarife, encontrei um senhorzinho que descia de um trator, à porta de uma
grande propriedade rural (finca). Ele
puxou conversa comigo e quando me despedi, me ofereceu uma cerveja para ir
tomando pela estrada. Agradeci, recusei gentilmente a oferta e venci os dois
quilômetros que faltavam para o meu destino. Nessa altura, meu pé direito já
estava incomodando e eu caminhava mais devagar. Digo mais devagar porque eu já
vinha num ritmo mais lento, lembrando do que me disse a enfermeira canadense
sobre os passos mais curtos.
Chegando a Villar de
Mazarife, fui logo à Igrejinha local para ver se estava aberta. Uma mocinha
estava sentada a uma mesa, com o carimbo para estampar as credenciais dos
peregrinos. Ariana era muito doce e me explicou várias coisas sobre a Igreja de
Santiago, que sofreu profundas modificações desde a sua construção, pelo século
XII. De original só resta uma piazinha para água benta. Os altares, do século XVI
(ao que parece) são graciosos, especialmente um, italiano, em madeira
policromada, com uma imagem simples e delicada de Nossa Senhora. Também me
chamou a atenção uma pintura de Cristo crucificado com Deus Pai por detrás,
segurando a cruz (seria da mesma época, século XVI). Eles têm, ainda, uma Cruz
Processional do século XIII. Ariana me mostrou tudo com visível orgulho. A
abóbada central está pintada como um céu, azul, com nuvenzinhas brancas. Algo
bem cafona para mim, e, no entanto, muito apreciado por minha cicerone.
Depois da visita à
Igrejinha, me dirigi ao meu albergue. O Refúgio de Jesus é um lugar muito
simples e descolado. Todas as paredes estão cobertas de inscrições e desenhos
deixados pelos peregrinos. Estava cheio. O problema eram os banheiros,
demasiado velhos. Pensei que por cinco euros não devo esperar muito mais do que
as acomodações que encontrei ali. Fiquei num quarto com mais duas moças. Após o
banho, fui a um mercadinho local e comprei uma sopa de abóbora pronta bem
decente. A pequena cozinha está disponível para os peregrinos e estava congestionada
com gente cozinhando. Esquentei minha sopa e fui tomá-la no refeitório, bem
mais espaçoso. Depois, ainda tentei ficar por ali escrevendo minhas cartas para
você. Só que logo o refeitório se encheu de gente, e um animado grupo de peregrinos
de distintos países fazia muito barulho. Um deles cantava, até bem bonito.
Desisti de escrever, por impossibilidade de concentração, e fiquei por ali,
ouvindo as conversas e as músicas.
Comecei a tomar o
anti-inflamatório junto com o omeprazol, como você me recomendou. Todavia, não
consegui colocar gelo no pé. Veremos como ele amanhece. A bolha do calcanhar
está secando, creio eu. A noite parece que será bem fria.
Beijos saudosos,
Niquinha!
Da irmã que muuuuuito
te ama,
Léia
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