30/09/15
Boa noite, Nica!
Saí de Burgos com
vontade de ficar! Aliás, certamente terei de voltar por lá. Descobri, hoje de
manhã, que apaguei minhas fotos do interior da Catedral. Ainda pensei em voltar
à Catedral, antes de deixar Burgos, para tirar novas fotos. Só que eu tinha
esquecido a bateria da câmera no carregador, que estava dentro da mochila, que
despachei logo cedo. Nem fotos da Catedral, nem fotos da saída de Burgos, que é
linda. Ou seja, precisarei visitar essa cidade novamente. Quando passei pela
catedral pela última vez, contemplei suas elaboradíssimas torres e fiquei
pensando na grandeza do engenho humano...
Eram quase onze da
manhã quando tomei o rumo da saída da cidade, após comer uns bolinhos
recém-saídos do forno, em uma das maravilhosas pastelerías de Burgos. Os sinos de alguma Igreja badalavam e era
como se estivessem junto de mim, de tão alto que me chegava o som. Segui pela
rua da Igreja de San Nicolás, que passa por um pequeno parque e atravessa o
Arco de San Martín. Pouco antes, um monumento homenageia um lendário herói da
região, chamado Cid El Campeador. Foi um bravo cavaleiro, que lutou pelos reis
de Castela, e acabou levando a vida como uma espécie de foragido, com um
exército próprio. Ele se converteu em uma lenda e é o protagonista do mais
famoso romance espanhol medieval. O
monumento à saída do centro histórico lembra um dos lugares onde ele morou.
Junto ao arco, de
traçado moçárabe, há mais remanescentes da antiga muralha de Burgos. Um trecho,
inclusive, mais interessante e aparentemente menos modificado que os que vi
dois dias atrás. Após uma pequena área com prédios mais contemporâneos (e não
muito charmosos), cheguei há um belo parque, cheio de árvores, vestidas de
verde e amarelo. Mais adiante, após cruzar uma ampla avenida, o Caminho segue
por um outro parque, todo murado. Chama-se parque da Universidade e é,
certamente, o jardim de alguma antiga propriedade, pois os muros têm alguns
séculos de existência. O parque é lindíssimo. Amplas alamedas ladeadas de
árvores se estendem por mais de um quilômetro. São castanheiras, e estão dando
frutos. Havia muitas castanhas caídas no chão e outras caindo enquanto eu
passava. Faltava só o tacho para assá-las, rs, rs, rs.
Ao final do parque,
quando acaba o muro, está a Universidade de Burgos. Num velho e belo edifício
de pedra branca, que foi um dos mais importantes hospitais de peregrinos da
época medieval, estão instaladas a Reitoria e a Faculdade de Direito. No meio
do pátio, restos de colunas e de um arco denunciam que houve ali, em algum
tempo, paredes e salas desse hospital. Esse antigo hospital fica à esquerda da
saída do parque, fora do roteiro do Caminho, que segue pela direita. Mas é
claro que quando botei os olhos na portada em pedra esculpida e li
“Universidade de Burgos”, fui logo conferir. Belo demais.
Mais à frente, outros
prédios mais modernos pertencentes à Universidade. Aí o cenário urbano começou
a ficar menos interessante. Ainda assim, posso dizer que Burgos me pareceu
charmosa tanto na entrada como na saída, mesmo sendo uma grande cidade. Ao
contrário de Pamplona, quando me senti meio insegura às vezes, o Caminho na
saída de Burgos está muito bem sinalizado. De repente, após o cruzamento de uma
grande avenida, a gente sai da cidade e começa a andar por uma estradinha
vicinal, ladeando uns terrenos cobertos de capim. Mais à frente, campos
verdinhos com alguma plantações de legumes, e árvores aqui e acolá à beira da
estrada. Como saí bem mais tarde hoje, encontrei poucos peregrinos caminhando.
À minha frente e atrás de mim, havia umas senhorinhas solitárias. Caminhei um
bom pedaço nessa estradinha aprazível, até chegar num trevo de rodovia, onde há
um parque com bancos. Sentei um pouco para descansar. Foi quando chegou
Eleonor, uma das senhorinhas que
caminhava atrás de mim. É americana, de Rhode Island. Conversamos um pouco
enquanto ela comia um sanduíche, e retomei minha caminhada.
Após esse trevo, e
deparei com uma grande obra rodoviária, que gerou um desvio no Caminho. A
sinalização estava meio confusa e tive algum medo de me equivocar. Atravessei
um viaduto e quando cheguei do outro lado, reencontrei as flechinhas amarelas.
O desvio era bastante extenso, o que significou um certo tempo de caminhada em
meio a canteiros de obras, até que finalmente cruzei uma pontezinha e voltei a
caminhar entre árvores. Segui caminhando por entre campos desnudos até que
cheguei à pequena Tardajos. Nada de muito especial no vilarejo. Pra variar, a
Igreja estava fechada.
Dois quilômetros
depois, encontrei a pequeníssima Rabé de las Calzadas. Menor e bem mais
charmosa que sua vizinha. Me encantei com os brasões esculpidos nas paredes de
antigas casas de pedra. Como precisava de um banheiro, parei num bar chamado
Peña de la Calzada. O dono, José María, é uma figura! Me fez um delicioso
sanduíche de queijo e me deu de presente umas ameixas pequenininhas, verdes por
fora e amarelinhas por dentro. Eu sempre via essas ameixas no supermercado, mas
como são meio caras, nunca me animei a comprar. Pois ganhei de presente, e
estavam bem docinhas. Seu José María tem uma camisa do Grêmio pendurada na
parede, e um quadro com mensagens de peregrinos de todas as partes do mundo.
Tem um cantinho do Brasil, onde deixei minha mensagem para ele. Ah! E ele ainda
me deu uma medalhinha de Nossa Senhora das Graças. Um fofo!
Caminhei até a Igreja
na esperança de que estivesse aberta. Não estava. Em frente à Igreja há uma
gracinha de largo, com casinhas de pedra clara. Numa delas está um albergue.
Sentado à porta, conheci um brasileiro, Elton, que está fazendo o Caminho a pé.
Por incrível que pareça é o primeiro peregrino brasileiro “caminhante” que eu
conheço. Tinha conhecido Marcos, que estava de bicicleta. E tinha visto outros
brasileiros de bicicleta. Batemos um bom papo. Elton está com uma tendinite no
pé direito. Está bem inflamado. Ele está medicado e caminhou menos hoje, para
dar um descanso ao pé. É de uma cidadezinha do Interior de São Paulo, cujo nome
já não me lembro. Muito simpático. Batemos um bom papo e eu o aconselhei a
pegar leve nos próximos dias, pra poder concluir o Caminho.
Alguns metros após
deixar a pequena e graciosa Rabé para trás, encontrei uma gracinha de casal
espanhol, que deve estar na faixa dos sessenta, Gabriel e Ana. Fomos
conversando até Hornillos del Caminho. A conversa me fez a caminhada mais leve.
Apesar do sol forte, caminhei o dia todo com um vento agradável, que refrescava
sem fazer frio. O céu estava lindo, bem azul, e cheio de flocos de algodão. Fiz
19 kms em cinco horas, contando com as paradas. É verdade que a caminhada foi
quase toda no plano. Só no final subimos uma pequena encosta. Quando chegamos
em cima, avistamos Hornillos del Camino lá embaixo no vale. Linda vista. E o
melhor é que estava claro que a cidadezinha se encontrava a pouca distância, o
que é muito alentador quando a gente está caminhando há cinco horas.
Me despedi de Gabriel
e Ana na entrada da cidade e me dirigi ao albergue. É um lugar simples, uma
casa de família. Mas o casal é muito simpático. Estou num quarto com dez
pessoas. Veremos como será a dormida. Após comer, dei uma volta pelo vilarejo e
consegui visitar a Igreja, uma construção românica, sem muitos adornos, porém
com uma bela “flor” no teto, bem no centro da nave principal. Fora isso, não há
nada em Hornillos. Apenas uma rua principal, com casinhas ocres de ar
centenário.
Hoje tirei poucas
fotos com meu celular, que é lentíssimo, porque tem apenas uma vaga lembrança,
em lugar da memória. Terei de guardar no coração as lembranças da caminhada de
hoje. O que não é mau. A gente se acostuma tanto a depender de equipamentos
eletrônicos, que acaba ficando com o cérebro preguiçoso.
É isso, Niquinha. Vou
cuidar de me deitar, porque todo mundo já se recolheu. Estou contente com
minhas roupas térmicas. Vou dormir mais quentinha. Também comprei umas luvas de
esporte, pois estou com as mãos cheias de calos, por causa dos bastões.
Fica com Deus, Minha
Irmã.
Beijos mil,
Léia
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