05/10/15
Boa tarde, Niquinha!
Te escrevo de
Calzadilla de la Cueza, um povoadinho no meio do nada. Hoje percorri apenas os
17 kms que separam Carrión de los Condes, onde dormi ontem, de Calzadilla. Agora,
pense numa caminhada pesada. Foram 17 kms compriiiiidos! Em primeiro lugar,
amanheceu chovendo horrores. Dormi muito bem, mas oito horas da manhã tive de
deixar meu quarto, no Convento de Santa Clara. Ainda estava meio escuro e me
dirigi a um café próximo, para comer e fazer hora. Aproveitei para batizar meus
bastões. Dei a eles os nomes de Cosme e Damião. Inscrevi os nomes com a ponta
da minha faquinha.
Do café, fui a um
albergue de outras Irmãs (não sei a congregação), para pedir que confirmassem
com o rapaz do transporte de mochilas que ele passasse em Santa Clara. A Irmã
que atendeu a porta foi uma gracinha, ligou pro rapaz e deixou tudo acertado
pra mim. Ela mencionou que ia assistir missa em Santa Clara e, como ainda
chovia muito, e eu não tinha entrado na Igreja do Convento, resolvi ir com ela.
O atual prédio do Convento é do século XVII, com visíveis adições ou reformas
posteriores. Não é uma edificação especialmente bela. A Capela tem duas coisas
que me chamaram a atenção. Um altar lateral com uma grande talha em forma de
coração que serve de moldura a um Cristo crucificado e uma pintura inusitada para
mim, de um Cristo crucificado com grandes asas de anjo, “conversando” com São
Francisco, com uma expressão quase alegre no rosto. Achei um barato essa
representação.
Lá no fundo da Igreja,
uma área reservada para as Irmãs, decorada com azulejos. Elas assistem à missa
por detrás de umas grades, e na hora da Comunhão, o padre vai até elas. Pelo
que me lembre, foi a primeira vez que assisti a uma missa num Convento de
freiras reclusas. Portanto, essa coisa da grade eu só conhecia de filmes. As
Irmãs fizeram as leituras e cantaram (acompanhadas de um violão) ao longo da
celebração. E uma outra curiosidade, o padre fez o sermão no início, antes do
Perdão, sentadinho numa cadeira de espaldar alto, à direita do Altar.
Terminada a missa,
voltei ao café e tomei mais um chá. Continuava a chover cântaros! Muita gente
estava nesse café, comprando bilhetes de ônibus para a próxima cidade
maiorzinha. Como chovia muito, e ontem minha capa de chuva já não tinha dado
conta do recado direito, resolvi passar numa loja de artigos para peregrinos.
Comprei uma calça impermeável (para ver se evito de molhar minhas meias e, consequentemente,
meus sapatos) e uma jaqueta também, para colocar por debaixo da minha capa.
Vesti tudo na loja mesmo e saí pronta para enfrentar as intempéries.
Felizmente, quando pus o pé fora da loja, tinha parado de chover.
Saí de Carrión com tranquilidade,
passei em frente ao Mosteiro de San Zoilo (que em princípio tem um belo
claustro, mas fecha às segundas), cruzei dois grandes giradores e caminhei por
um tempo no acostamento de uma estradinha vicinal. Após alguns quilômetros,
finalmente, o Caminho se afasta da estrada asfaltada e segue em meio a campos
de cultivo, aqui e acolá pontuados por árvores. Certamente são mais de doze
quilômetros de caminhada numa linha reta, sem praticamente nada no meio. Nenhum
povoado, apenas duas áreas de descanso, com mesas e bancos de madeira ou de
pedra. Eu, pessoalmente, fico muito mais cansado quando tenho de vencer grandes
distâncias assim, sem uma quebra no meio, sem um povoadozinho para tomar um chá
e fazer uma pausa mais prolongada.
Além disso, o tempo
ficou instável o dia todo. Chovia e parava, chovia e parava. Essa instabilidade
é meio chata, porque a pessoa fica tirando e botando capa de chuva (pois a capa
esquenta muito). Mas o pior de tudo foi o vento. Ventou horrores hoje. Pior do
que ontem, que também foi dia de chuva e vento. A pessoa tinha que fazer um
esforço redobrado, porque o vento soprava ora de frente, ora de lado, sempre
com muita força. Quando eu parava, se não estivesse bem firme, eu me
desequilibrava. Os passarinhos não conseguiam voar, e tinham dificuldade para
ficar paradinhos nos galhos dos arbustos. Havia inúmeros pássaros nos campos.
Imagino que estivessem tentando comer os grãos recém-semeados. Engraçado porque
o vento me trazia o canto deles, mas eu não conseguia vê-los. Achei que
estivesse imaginando coisas. Até que os vislumbrei, passeando em meio à terra,
porque não conseguiam voar. Como eles eram da mesma cor da terra, o mesmo ocre
ao qual já me acostumei, não era tão evidente vê-los.
Juro que hoje eu queria
pedir arrego. Já estava exausta quando vi uma indicação pintada numa ponte, de
que ainda faltavam seis quilômetros para chegar ao povoado! Ainda caminhei
muito sem ver nenhum sinal de civilização à frente, até que vislumbrei uma
torre, que imaginei ser de Igreja, e me animei com a ideia de estar chegando ao
meu destino. Quando fui me aproximando, vi que não era uma torre de Igreja,
porque estava claramente no meio de um cemitério. Como não conseguia ver
nenhuma outra edificação por perto, chega fiquei triste. Pensei: Senhor, não me
diga que essa cidade ainda está longe! Felizmente não estava. Ao chegar ao topo
de uma encostazinha, pude ver o pequeno povoado de Calzadilla, alguns metros à
esquerda da tal torre.
Estou no Albergue Municipal,
que é excelente (e no precinho: 5 euros). Tudo novinho em folha, wi-fi, lavanderia, cozinha e, o mais
importante (!!!), um bom cobertor! Cheguei aqui com chuva e nem me animei a
sair para comprar comida fresca do mercado. Comprei uma massa numa vending machine que tem na cozinha e me
alimentei por aqui mesmo. O inconveniente é o toque de recolher, às nove da
noite. Paciência.
Minha primeira bolha
já está quase sarada. Já a que me apareceu ontem, no calcanhar, continua com
muito líquido. Sarjei de novo hoje, e deixei a linha dentro. As duas bolhas são
no pé esquerdo, que eu estou sobrecarregando por causa da inflamação no pé
direito. Desta última já estou quase curada. Hoje já tente reequilibrar minha
marcha, pra evitar sobrecarga no lado esquerdo do corpo. As costas também estão
bem melhores. Faz uns quatro dias que suspendi a pomada anti-inflamatória. O
incômodo nas laterais do quadril também diminuiu, creio eu que em função dos
alongamentos que estou fazendo. Estou alongando antes, durante e depois da
caminhada. Porém... hoje meu punho esquerdo começou a dar sinal de vida. O uso
dos bastões acaba demandando um tanto dos punhos. Mas espero que não seja nada
demais.
Aqui em Calzadilla
reencontrei uma americana que eu vi nos primeiros dias de caminhada, Rebecca.
Ela estava caminhando com a filha, que teve de voltar para os Estados Unidos
quando elas chegaram em Burgos. É interessante isso de você, de vez em quando,
reencontrar alguma carinha conhecida. Isso é raro, no meu caso, porque caminho
mais devagar que a maioria. A maior parte das pessoas que conheci já vai longe.
Tenho falado com Norma e Tom por email quase todos os dias. Faz três dias eles
já estavam em Leon. É improvável que eu consiga reencontrá-los aqui na Espanha.
Quem sabe eu vá visitá-los nas Filipinas!
Por hoje é isso, Nica.
Rezando para amanhã não ser tão chuvoso.
Espero que esteja tudo
bem por aí. Beijos cheios de saudade,
Léia
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