quinta-feira, 23 de abril de 2015

Dia 15: Das águas tristes do Mississipi ao Egito

20/4/15

Depois de dois dias cansativos, finalmente uma boa e reparadora noite de sono. Quando acordo, D. e L. já não estão em casa. Afinal, resolvo limpar um pouco meu quarto e o banheiro. Passo a manhã nessa pequena faxina. Nada que faça diferença na casa, mas me sinto melhor de ter os ambientes onde circulo mais limpos e organizados.
D. mantém a casa fechada o tempo todo, por causa do ar condicionado. E isso me dá certa aflição. Ainda mais com o gato dentro de casa. Feliz ou infelizmente, desde que cheguei tenho o nariz meio entupido. Primeiro por causa da gripe que me pegou em Miami, agora já suspeito que estou tendo alguma reação alérgica. Todas as tardes meu nariz começa a fechar e estou usando uma medicação nasal para poder dormir. Não sei se é a sujeira da casa, ou a Primavera. Lembro que em meus últimos anos em Berkeley, tive rinite alérgica exatamente nos meses de abril e maio, quando as plantas começam a renascer e espalhar mais pólen pelo ar.
À tarde, L. se oferece para passear comigo pelo centro de Baton Rouge. L. é muito retraído, e pouco interage com D., mesmo antes do episódio do tiro na janela. No entanto, ele tem sido muito gentil comigo. Caminhamos à beira do rio Mississipi. É um rio largo, caudaloso e feio, pelo menos tal como o vejo nessa primeira vez. É um rio de águas barrentas e tristes. Não sei explicar porque me parece triste. D. me explica, mais tarde, que é um rio traiçoeiro, não parece, mas é perigoso, por causa da velocidade das águas. Nem pequenos barcos navegam nele. Tomar banho, então, nem pensar (mesmo que não fosse muito poluído). À beira do Mississipi, em Baton Rouge, há uma orla, com bancos, luminárias, esculturas e uma calçada onde se pode passear, caminhar, correr. Um muro de contenção, desce do passeio até a beira do rio, em posição diagonal. Trata-se de uma estrutura de contenção das águas, para as ocasiões em que o rio enche. Eu e L. nos sentamos bem à beira d´água e ficamos olhando as águas escuras, revoltas e tristes. Um grande barco à vapor repousa na ponta de um píer emoldurado por um portal modernoso, cheio de arcos. É um cruzeiro que vai até Menphis. A viagem de sete dias custa sete mil dólares. Me pergunto quem paga essa fortuna para subir o Mississipi. Imagino que seja pela nostalgia e pelo valor histórico do barco, que parece uma versão original daqueles que vemos nos filmes.
Um pouco depois do barco, à esquerda de onde estamos, se situa um outro barco, que é, na verdade, um cassino. À direita, bem mais longe de onde estamos, um outro barco abriga outro cassino. L. me explica que o jogo é permitido em Lousiana, desde que seja dentro d´água. Essa legislação parece fazer pouco ou nenhum sentido.
Deixamos as margens do Mississipi e vamos visitar o campus da LSU, a universidade do estado da Lousiana. O campus é lindo, como a maior parte dos campi americanos, diga-se de passagem. Prédios em tijolo aparente, de argila clara, todos próximos uns dos outros, muitas árvores imponentes, belos gramados, esquilos e pássaros em abundância. Um carvalho enorme e majestoso estende seus galhos sobre uma vasta área, tocando o chão em alguns pontos. Estudantes caminham em todas as direções, mas apesar do movimento constante de pessoas, reina um silêncio surpreendente e reconfortante no campus. Sobre a porta de entrada do prédio de Astronomia noto um alto-relevo com símbolos do zodíaco. Um grande galpão abriga a escola de artes plásticas, onde alguns alunos trabalham em suas obras, como se estivessem em seus pequenos ateliês. O pátio central da Universidade abriga uma coleção de esculturas contemporâneas. A torre com o relógio me lembra Berkeley. Um enorme estádio de football me sugere que o time da LSU pode ser uma paixão local. As cores da LSU são fortes e estão por todo o campus: roxo e amarelo.
Da LSU seguimos para o Museu de Artes e Ciências de Baton Rouge, para assistir a uma palestra de uma professora da American University of Cairo sobre múmias de animais. Antes da palestra vistamos a coleção que o Museu possui do Egito. São poucas peças, porém eles têm uma preciosidade: uma múmia de mais de dois mil anos. A exposição é interessante, apesar de pequena. Um pequeno cocktail nos surpreende à entrada da palestra. Há um queijo de cabra divino. A professora, de traços indianos e belo sotaque britânico, é muito simpática e divertida. A palestra é bem introdutória, desenhada para um público leigo como eu. Aprendo várias coisas sobre costumes do Egito Antigo, além dos princípios da mumificação, que consiste basicamente num processo de desidratação por meio de sal e bicarbonato, se entendi bem.

Chegamos em casa e D. nos espera com várias caixas de morango, que precisam ser limpos e selecionados para congelamento. Ela fará tortas e geléia para vender. Mais uma de suas estratégias de financiamento do projeto com as comunidades carentes da América Central. A casa rescende a morango e vou me deitar tarde, impregnada desse perfume.

2 comentários:

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  2. É admirável como você descreve sua "Jornada ao Redor do Mundo" com uma imensa clareza. Sinto-me transportada para esses lugares à medida que eu leio seus textos.

    Espero que você encontre o que procura: talvez paz interior, conhecimentos diversos, ser humanos idem. E quem sabe, nesse longo caminho, apareça um grande amor...

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