quinta-feira, 9 de abril de 2015

“O real se dispõe pra gente é no meio da travessia” (Guimarães Rosa)

Por que uma pessoa decide largar todos os confortos e seguranças de uma vida bem estabelecida, profissionalmente bem sucedida, perto dos que ama, para se lançar numa aventura ao redor do mundo? Por que tirar um ano “sabático” e andar por aí sem destino muito certo, trabalhando em troca de acolhida?
Bem, é claro que as experiências são pessoais e intransferíveis, e cada um viaja por suas próprias e diferentes razões. Conhecer lugares, encontrar pessoas, entrar em contato com outras culturas, experimentar cheiros e sabores novos, fugir da rotina, descansar, relaxar. Todas essas são boas razões para viajar. Neste meu caso específico, viajar pode ser definido por uma frase que li num artigo de Paulo Coelho (logo ele), compartilhado comigo por um amigo queridíssimo: “Viajar é a experiência de deixar de ser quem você se esforça para ser, e se transformar naquilo que você é.”
A viagem que começo a fazer ao redor do mundo, portanto, não é diletantismo, não é extravagância, impulso, loucura, ou vocação para o ócio, tampouco se trata da mera realização de um sonho, mas resulta de uma necessidade profunda e crescente de fazer uma pausa para crescer. Resulta da urgência em repensar meu modo de vida, meus comportamentos, e encontrar um caminho para vivenciar, na prática, no cotidiano, aquelas que elegi como minhas prioridades, e que têm a ver com as pessoas que amo e com o mundo em que desejo viver. A verdade é que desde que comecei minha vida produtiva, em poucas fases fui capaz de priorizar, efetivamente, meus afetos e meus valores. Deixo-me frequentemente levar por urgências que não são minhas, deixo-me guiar por um perfeccionismo que me rouba o tempo das delicadezas, das delícias, e até do sono, que me torna prisioneira de ansiedades e de angústias sem real importância.
Como resultado desse frenesi em que voluntariamente tenho vivido, fui me distanciando de mim mesma. Quantas vezes tenho me surpreendido com a minha intolerância, impaciência, radicalismo, com minha incapacidade de ouvir os outros, antes de emitir juízos definitivos e peremptórios sobre os fatos e as pessoas. Pois foi essa sensação crescente de estranhamento de mim mesma o que me jogou nessa aventura de aprendizagem e redescoberta, que acabo de começar.
Não pretendo chegar a lugar nenhum, apenas desejo aprender -- ou seria mais correto dizer “reaprender” -- a viver com a simplicidade, a alegria e autenticidade da criança que eu fui. Trata-se, portanto, mais de uma travessia, que de uma viagem. Ao longo desse percurso, cujo traçado ainda desconheço, espero aguçar minha consciência e descobrir em mim as ferramentas para vivenciar a coerência que tanto almejo.

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