domingo, 26 de abril de 2015

Plantation Houses: uma viagem no tempo


O Sul dos Estados Unidos tem uma formação histórico-social que guarda alguns paralelos com o Brasil. Foi nessa região do país onde se instalaram latifúndios monocultores, com sua casas-grandes e senzalas. Na Lousiana, muitas dessas propriedades foram preservadas e podem ser visitadas. Como admiradora e, acho que posso dizer, discípula de Gilberto Freyre, não podia deixar de fazer uma incursão dessa natureza.
Num belo dia de sol e bastante calor, convenci L. a visitar algumas Plantation Houses que ficam ao Norte de Baton Rouge, no município de St. Francisville, a pouco menos de uma hora de carro. Duas observações gerais devem ser feitas a respeito das propriedades que visitei nessa região de Baton Rouge. A primeira é que as casas-grandes datam, na verdade, do século XIX, o que representa uma diferença importante em relação ao Brasil, onde as casas-grandes dos velhos engenhos do Nordeste são bem mais antigas. A segunda, é que as instalações onde viviam os escravos – o equivalente às nossas senzalas – não mais existem. De todo modo, o passeio vale demais a pena, seja para apreciar a arquitetura peculiar, seja para caminhar pelos imensos jardins, com vegetação exuberante e árvores magníficas.
The Myrtles Plantation é uma propriedade privada, que oferece visitas guiadas à casa-grande, além de hospedagem em quartos no interior e fora da casa. A casa-grande foi construída em 1796, mas o que se visita são instalações adicionadas posteriormente, na primeira metade do século XIX. A casa-grande não é tão grande assim, porém, é muito charmosa, com sua fachada em madeira branca e enormes janelas, protegidas por persianas de madeira. Uma ampla e convidativa varanda se estende por todas as faces da casa, emoldurada em ferro trabalhado, como se fosse uma renda. É o mesmo gênero de varanda que caracteriza a arquitetura do French Quarters, em Nova Orleans, e que me encanta. Na varanda da Myrtles Plantation, cadeiras de balanço evocam a temporalidade mais vagarosa dos tempos idos. Há uma simplicidade elegante na fachada da casa, que contrasta com a suntuosidade francesa da decoração interior.
Um jovem rapaz faz as vezes de guia na visita ao interior do edifício, que reivindica o título de uma das casas mais mal-assombradas dos Estados Unidos. A mobília, preservada do século XIX, é quase toda francesa, assim como os adornos e objetos de uso pessoal: belos lustres, canapés e poltronas forrados com brocados e bordados preciosos, móveis em madeira trabalhada, alguns objetos marchetados, a louça refinada sobre a mesa pronta para o jantar. A recomposição dos ambientes da casa parece autêntica, com algumas exceções, como as pesas cortinas de veludo verde e franjas douradas, que o guia faz questão de salientar serem semelhantes às utilizadas por Scarlett O´hara para fazer-se um novo vestido, no clássico E o vento levou.... Dentre os vários objetos que vejo, dois são novidades para mim. Ambos têm a mesma função de livrar os comensais de inconvenientes – e certamente abundantes – moscas. Algo semelhante a um enorme abanico de madeira pende do teto sobre a mesa de jantar. Por meio de uma corda, algum escravo produzia movimentos pendulares, de modo a abanar as moscas. Repousado sobre a mesa, um engenhoso objeto de vidro, parecido com a tampa de uma compoteira, era usado para aprisionar os indesejáveis insetos, de modo que não importunassem demasiado a refeição.
O guia nos conta histórias de morte, doenças, mentira, traição, incluindo assassinatos. O Coronel que implantou a propriedade foi um dos líderes da chamada Revolta do Whiskey (rebelião contra a pesada cobrança de impostos pela Coroa Inglesa). O segundo dono da casa, seu genro, foi morto à queima-roupa, na varanda, por um desconhecido a cavalo. Uma escrava envenenou um bolo de aniversário, matou algumas pessoas da família e foi enforcada. Uma das netas do Coronel morreu ainda criança, no curso de uma epidemia, e seu retrato terminou de ser pintado após sua morte. O retrato é impressionante. Nota-se uma clara diferença entre a metade do rosto pintada antes da morte da menina, e a metade supostamente pintada após a fatalidade. A diferença entre as duas metades é sutil, e isso só torna o retrato mais horripilante. A mãe da menina, com medo de espíritos maus, tomou várias providências para proteger a casa, como inverter as fechaduras e colocar uma proteção de metal nelas, de modo que os buracos das fechaduras permaneciam fechados durante a noite, para evitar a entrada de “visitantes” indesejados. O guia nos mostra marcas num espelho que se acredita ser mal-assombrado, além de fotos da casa com misteriosas sombras de pessoas. Com ou sem fantasmas, o fato é que se pode sentir a energia pesada e triste do lugar.
Todo o entorno da casa-grande da Myrtles Plantation é lindo. Não são propriamente jardins, mas extensos gramados, onde dezenas de árvores centenárias, cobertas de musgos, de jasmim e de outras trepadeiras, formam um lindo cenário. Dá gosto passear entre as árvores e caminhar até o pequeno lago, todo ele coberto de uma minúscula plantinha verde-clara, que forma como um tapete por sobre as águas. Por um momento a pessoa se pergunta se aquilo é um gramado, até que os pequenos habitantes do lago provocam o movimento inconfundível da água. Uma pontezinha de madeira branca leva à um caramanchão quase que dentro do lago. Ramos de árvores situadas às margens, projetam sombra sobre as águas. Tento remeter minha imaginação ao passado e vejo sinhazinhas sentadas sob o caramanchão, lendo livros, ou conversando com suas mucamas, ou casais aproveitando as horas doces e românticas do entardecer. A vida naquela época certamente não era fácil, mas tinha seus encantos.
A Rosedown Plantation é um cenário diverso. Trata-se de uma casa-grande imponente e suntuosa. Tem dois andares de pé direito altíssimo, e varandas com enormes colunas redondas e um pouco bojudas. Um enorme e trabalhado jardim se estende à frente e nas laterais da casa. A parte do jardim mais próxima à casa-grande é toda em estilo francês, com suas cercas-vivas esculpidas, formando labirintos, entremeados por canteiros de flores cuidadosamente selecionadas. Já na área do jardim mais próxima do enorme portão de entrada, ladeando a comprida e ampla alameda que leva até a casa-grande, estendem-se jardins em estilo eclético, onde as árvores e plantas se dispõem à vontade, e em profusão. Esse enorme e belo jardim foi sendo cultivado ao longo de quase seis décadas pela esposa do primeiro proprietário de Rosedown.
No interior, a casa-grande também tem decoração basicamente francesa. O mobiliário e os objetos são, em sua quase totalidade, originais. Hoje, Rosedown é propriedade do estado da Lousiana. Todas as guias que acompanham os visitantes e contam os detalhes pitorescos da história e da vida nessa casa-grande vestem roupas do século XIX. Os ambientes são, no fundo, semelhantes aos da Myrtles Plantation. Mesma sofisticação francesa dos móveis, tapetes, objetos (o mesmo abanico gigante e o mesmo apanha-moscas), ainda que um pouco mais de requinte. Além disso, em Rosedown, podemos ver os quartos de dormir, com suas camas de dorsel, um lindo berço, brinquedos da época, e algumas “modernidades” encomendadas pelo proprietário, homem que gostava de novidades. Um exemplo: banheiro com um complexo sistema que puxava água de uma cisterna, permitindo banhos de chuveiro. A história da família que viveu em Rosedown parece um tiquinho menos trágica.
Por trás da casa, uma despensa, um laguinho, um viveiro de pássaros, e mais adiante, um gigantesco e magnífico carvalho. Tal como na Myrtles Plantation, já não há vestígios das instalações onde viviam os escravos.
Na loja de souvenirs (que nunca falta em nenhum lugar de visitação em solo americano), há uma exposição sobre a Guerra Civil. Descubro, para minha grande surpresa, que cerca de 300 mulheres se disfarçaram de homem, para lutar no Exército Confederado.

Nas proximidades de Rosedown há uma outra Plantation House, chamada Oakley. Mas já se fazia tarde quando saímos de Rosedown e não foi possível visitá-la. L. não gostou das Plantation Houses. Disse que são lugares tristes. Provavelmente ele tem razão. Talvez não possa ser de outro modo, considerando-se toda a história de violência, brutalidade e injustiça que se encerra em qualquer casa-grande, nos Estados Unidos ou no Brasil.

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