O enredo de Ernani,
que eu não conhecia, me impressionou muitíssimo. Trata-se de uma ópera sobre a
honra. Uma bela história sobre a honra, o caráter, a palavra empenhada. Há
também amor (um quarteto amoroso) e poder na história, mas nitidamente, a honra
é o foco principal. Talvez por isso Ernani
tenha me fascinado tanto, e pareça ao mesmo tempo um enredo tão alheio à
sensibilidade contemporânea. Que homem seria capaz de tirar a própria vida para
simplesmente honrar a palavra empenhada?
Deixei o teatro pensando se meu avô teria escolhido o nome
de meu pai por causa dessa ópera. Gosto de acreditar que sim. Meu avô, que,
segundo todos os relatos que escuto, tinha a honra em tão alta conta. Sua
retidão é lendária na família. E fora dela também, pelo visto. Em novembro
passado, numa viagem a Gramado, com meus pais, encontramos um casal cearense,
bem idoso. A senhora olhou pra papai e perguntou: O que o senhor é do Professor Mozart Solon? Meu pai respondeu: Filho. E a senhora replicou: Um homem de bem. Havia sido aluna de
vovô. Cresci ouvindo inúmeras histórias sobre a quase obsessão que vovô tinha
com fazer a coisa certa. Tenho duas preferidas. Certa vez, meu tio Haroldo, um
menino nos seus 10 ou 12 anos, achou um relógio na rua e chegou em casa todo
faceiro. Vovô perguntou onde ele havia conseguido aquele relógio. Diante da
resposta, mandou que ele tirasse o relógio do braço. Pôs um anúncio no jornal.
Apareceram vários “donos”, mas nenhum foi capaz de descrever o objeto. Meu tio,
todo contente, pensou que enfim poderia considerar-se proprietário do relógio.
Mas meu avô doou o relógio para que uma instituição de caridade fizesse uma
rifa. E disse a meu tio: O que não é seu, não lhe pertence.
O outro episódio que eu adoro envolve papai. Prestes a
completar 18 anos, papai estava na Praça do Ferreira, observando pessoas que
jogavam em máquinas tipo fliperama. O jogo só era permitido aos maiores de 18.
Papai cruzou a corda que delimitava o espaço do jogo e ficou olhando, junto às
máquinas. Um policial se aproximou e pediu sua identidade. Como ele era menor
de idade, foi levado para a delegacia. Na conversa com o delegado, papai disse
que era filho do professor Mozart Solon (Fortaleza era uma cidade pequena
naquela altura e meu avô era o tradutor público oficial da cidade, além de um
professor de inglês muito conhecido pelo seu extremo rigor). O delegado ligou
para vovô, que quando se inteirou do acontecido disse ao delegado que deixasse
papai dormir aquela noite na delegacia, para que aprendesse a não desrespeitar
a Lei. O delegado achou um disparate manter um filho do Prof. Mozart Solon na
delegacia e mandou deixar papai em casa. O susto já lhe serviu de lição, mas
meu avô estava falando sério.
É proverbial na família a ideia de que para vovô a sua
palavra valia mais que qualquer documento registrado em cartório. Tenho muito
orgulho disso. E procuro aplicar essa retidão na minha própria vida. Mas
confesso que esse é um desafio diário, e difícil. Porque não é só a questão da
retidão, mas a da coerência. É também aprender a não dizer coisas em vão,
aprender a dizer o que efetivamente se pensa, e ser coerente com o que se diz,
nas suas atitudes. E uma questão em particular precisa ser objeto de reflexão
para mim, ao longo dessa viagem: Como conquistar a coerência entre a palavra e
a prática, sem me tornar uma pessoa intransigente e dura demais? Será que isso
é possível?
Ernani me deixou com
todas essas lembranças e reflexões nos espírito. Confesso que tenho uma
profunda atração por esses mundos, que já não existem mais, onde as pessoas se
guiavam por princípios e valores, e claras noções do certo e do errado.
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