Como
me ensinou papai, a gente não deve se deixar abater na primeira dificuldade. E
também precisamos ter paciência uns com os outros. Estou muito feliz por não ter
cedido à tentação de não lidar com a instabilidade de humor de D., e por não
ter ido embora, em busca de uma situação mais fácil e mais reconfortante.
Tenho
tido muitos momentos agradáveis e preciosos com D. Tenho aprendido muitas
coisas com ela, sobre como cuidar de plantas, sobre a história e a cultura da
Lousiana, sobre a arte de cozinhar. Após o estresse da véspera do Earth Day, D. foi gradualmente se
acalmando e relaxando. Temos tido longas e deliciosas conversas, sobre o Brasil
e sobre os Estados Unidos. Ela tem me levado a vários lugares que frequenta, e hoje
me levou para visitar o antigo Palácio de Governo de Baton Rouge. Também está
cogitando a possibilidade de ir comigo a um parque nacional histórico, que fica
a três horas e meia daqui. Na terça passada, ela foi almoçar com amigos num
lugar que vende frutos do mar e trouxe várias coisas para preparar um jantar
especial para mim e para L. Comemos camarões frescos, peixe e perna de rã,
fritos, com tempero cajun. Delicioso!
Ontem foi a minha vez de retribuir. Fiz um molho ragú (com presunto) para o
jantar, e ela adorou. Antes de ir embora, tentarei fazer uma feijoada.
Sem
dúvida, teria sido mais cômodo partir. Ainda bem que fiquei. Sinto-me
gratificada pelo que estou recebendo, e pelo que tenho a possibilidade de
ofertar. D. é uma pessoa solitária e sofrida. Sei que ela está feliz com a
minha companhia, com meu trabalho, com a possibilidade de compartilhar das minhas
experiências e visão do Brasil. Meu coração sente isso com toda clareza. Conjugamos
de certas concepções sobre política e religião. Nos emocionamos juntas, ouvindo
a uma música chamada Here I am, Lord,
que ela pôs para eu escutar. Estabelecemos uma relação de troca, enriquecedora
para nós duas.
Faz
uns dois dias, ela me chamou no quintal, à tardinha, para sentir o perfume das
flores, que uma brisa de entardecer estava espalhando por toda parte. Foi
mágico. O enorme jasmineiro que ela tem junto a uma cerca rescendia fortemente.
Seu perfume se alternava com o de uma plantinha chamada honey buckle. D. me mostrou como tirar a pontinha do pé da flor e
puxar um fio que solta uma gota de seiva docinha, parecendo um mel. Uma
experiência cheia de delicadeza e sutileza.
Hoje,
enquanto caminhava, pensava na convivência desses últimos dias com D. e
refletia sobre como nós temos essa tendência a achar que as situações que
estamos vivendo, no presente, são eternas. Ou pelo menos damos um grau de
dramaticidade ao presente que só serve para gerar ansiedade, sofrimento e
estresse; normalmente desnecessários. Quando a filosofia Zen diz que só existe
o tempo presente, quer nos ensinar a nos libertarmos seja da nostalgia do
passado, seja da ansiedade pelo futuro. Só que é muito importante fugirmos à
armadilha de viver o presente como se ele fosse eterno. Não é. Como dizia vovô
Jader: Não há bem que pra sempre dure, nem há mal que não se acabe.
O
nervosismo de D. passou. Ela continua sendo uma pessoa de equilíbrio emocional
delicado, logo, instável. Porém, aprendi a lidar com ela. Tive paciência para
esperar a tempestade se desfazer, e agora estou colhendo deliciosos frutos.
Aliás, literalmente, pois antes de ontem fomos à igreja dela apanhar umas mudas
de uma “ameixeira japonesa” e colhemos frutos sborosos, de uma espécie que eu
nunca havia provado. Essas ameixas são pequenas, amarelas, com uma penugem
exterior que lembra mais um pêssego, e delicadamente doces. Mais um momento de
alegria e descoberta ao lado dessa figura generosa e amorosa, que é tão
complexa como todos nós somos.
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