quinta-feira, 16 de abril de 2015

Um domingo no Harlem


Foi pura coincidência, mas acabei descobrindo que domingo é um ótimo dia para se visitar o Harlem. Não creio errar ao pressupor que só aos domingos se pode ver as senhorinhas super arrumadas para os cultos, com seus casacos, sapatos alinhados e, principalmente, seus chapéus de cores e formas as mais inusitadas. Assisti a uma cena graciosa. Uma avozinha saindo de sua igreja toda na beca, com chapéu e sapatos vermelhos. Um carro encostou no meio-fio para apanhá-la. Ela se aproximou da mala, tirou um par de tênis de dentro e se pôs a descalçar seus elegantes sapatos vermelhos, para pôr os tênis. Como se tratava de uma pessoa idosa, e a operação requeria alguma flexibilidade e esforço físico, foi custosa e demorada.
Eu queria ter ido assistir a algum culto gospel, mas cheguei tarde. Em geral, eles vão até as 11 da manhã. Descobrir que assistir aos cultos gospel virou atração turística. Por isso, os guias recomendam que se vá logo cedo, por volta das 8 da manhã, quando os turistas ainda não saíram de suas camas.
Duas coisas me impressionaram no Harlem. A primeira é a tonalidade de cores das casas do bairro. É tudo ocre no Harlem! De um ocre sombrio e triste. É quase que sem respiro essa paisagem urbana, onde é difícil ver alguma manchinha branca, que se dirá mais colorida e alegre. Essa é mais uma imagem de Nova Iorque que me parece incongruente. Culturas e sociedades negras sempre me sugerem cor e alegria. É simplesmente estranho que essa vizinhança negra, em Nova Iorque, seja tão monocromática, esteticamente tão pobre, fechada, e, sobretudo, sem alegria.
A outra coisa que me impressionou no Harlem foi a profusão de igrejas na Av. Malcom X. Num pequeno trecho contei cerca de vinte, e de distintas denominações. Católicas, batistas, episcopais, evangélicas. Pra todos os gostos e credos. E sempre a poucos passos umas das outras. Paro diante de uma delas. Me chama a atenção um absurdo letreiro com texto homofóbico. Uma senhora, branca, se aproxima de mim e expressa sua indignação com o letreiro. Eu tento acalmá-la e lhe digo que não é nessa direção que o mundo está caminhando. Temos uma tendência natural para valorizar o momento em que estamos vivendo, o que nos leva a perceber os problemas de forma mais dramática. Mas a verdade é que quando olhamos a longue durée, como dizem os franceses, ou seja, os períodos extensos, nos damos conta de que apesar de todos os males e mazelas que persistem, a humanidade vem avançando em muitos aspectos, inclusive no que diz respeito ao bem-estar social e aos direitos humanos e das chamadas minorias.

Tento visitar um centro de cultura e herança negra, mas está fechado. Um homem à porta começa a conversar comigo e quando lhe digo que sou do Brasil faz a maior festa. No seu caso, adora futebol. Também queria muito ter almoçado no Sylvia´s, que Verônica me recomendou muitíssimo. E deve ser bom mesmo, porque estava lotado. Gente esperando do lado de fora. Infelizmente, tenho um espetáculo para assistir e não posso esperar o atendimento. Coleciono mais uma boa razão para voltar a Nova Iorque.

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