Foi pura coincidência, mas acabei descobrindo que domingo é
um ótimo dia para se visitar o Harlem.
Não creio errar ao pressupor que só aos domingos se pode ver as senhorinhas
super arrumadas para os cultos, com seus casacos, sapatos alinhados e,
principalmente, seus chapéus de cores e formas as mais inusitadas. Assisti a
uma cena graciosa. Uma avozinha saindo de sua igreja toda na beca, com chapéu e
sapatos vermelhos. Um carro encostou no meio-fio para apanhá-la. Ela se
aproximou da mala, tirou um par de tênis de dentro e se pôs a descalçar seus
elegantes sapatos vermelhos, para pôr os tênis. Como se tratava de uma pessoa
idosa, e a operação requeria alguma flexibilidade e esforço físico, foi custosa
e demorada.
Eu queria ter ido assistir a algum culto gospel, mas cheguei
tarde. Em geral, eles vão até as 11 da manhã. Descobrir que assistir aos cultos
gospel virou atração turística. Por
isso, os guias recomendam que se vá logo cedo, por volta das 8 da manhã, quando
os turistas ainda não saíram de suas camas.
Duas coisas me impressionaram no Harlem. A primeira é a tonalidade de cores das casas do bairro. É
tudo ocre no Harlem! De um ocre
sombrio e triste. É quase que sem respiro essa paisagem urbana, onde é difícil
ver alguma manchinha branca, que se dirá mais colorida e alegre. Essa é mais
uma imagem de Nova Iorque que me parece incongruente. Culturas e sociedades
negras sempre me sugerem cor e alegria. É simplesmente estranho que essa
vizinhança negra, em Nova Iorque, seja tão monocromática, esteticamente tão pobre,
fechada, e, sobretudo, sem alegria.
A outra coisa que me impressionou no Harlem foi a profusão de igrejas na Av. Malcom X. Num pequeno
trecho contei cerca de vinte, e de distintas denominações. Católicas, batistas,
episcopais, evangélicas. Pra todos os gostos e credos. E sempre a poucos passos
umas das outras. Paro diante de uma delas. Me chama a atenção um absurdo
letreiro com texto homofóbico. Uma senhora, branca, se aproxima de mim e
expressa sua indignação com o letreiro. Eu tento acalmá-la e lhe digo que não é
nessa direção que o mundo está caminhando. Temos uma tendência natural para
valorizar o momento em que estamos vivendo, o que nos leva a perceber os
problemas de forma mais dramática. Mas a verdade é que quando olhamos a longue durée, como dizem os franceses,
ou seja, os períodos extensos, nos damos conta de que apesar de todos os males
e mazelas que persistem, a humanidade vem avançando em muitos aspectos,
inclusive no que diz respeito ao bem-estar social e aos direitos humanos e das
chamadas minorias.
Tento visitar um centro de cultura e herança negra, mas está
fechado. Um homem à porta começa a conversar comigo e quando lhe digo que sou
do Brasil faz a maior festa. No seu caso, adora futebol. Também queria muito
ter almoçado no Sylvia´s, que Verônica me recomendou muitíssimo. E deve ser bom
mesmo, porque estava lotado. Gente esperando do lado de fora. Infelizmente,
tenho um espetáculo para assistir e não posso esperar o atendimento. Coleciono
mais uma boa razão para voltar a Nova Iorque.
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